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"Arte serve para criar utopias possíveis"
DA REPORTAGEM LOCAL
Tania Bruguera brincou de
roleta russa na abertura da Bienal de Veneza há um mês. Era
um tiro em falso a cada página
do manifesto que leu para poucos convidados, sem nada registrar. Também levou policiais
a cavalo para dentro da Tate,
em Londres. Em Havana, causou mais impacto quando deu
um minuto ao microfone a cada
pessoa que subisse ao pódio.
"Era uma ideia simples: dar
ao público um minuto sem censura", lembra. "A arte funciona
para criar utopias possíveis; essa deve ser a função do artista
em qualquer lugar, mas em Cuba isso tem outro significado."
No caso, sua utopia possível
era esse um minuto fugaz de liberdade de expressão. E esses
minutos foram seguidos de um
comunicado oficial da Bienal
de Havana, que repudiou a forma como manifestantes se
apropriaram da performance
para veicular mensagens políticas. Era a resposta que ela precisava para concluir o trabalho.
Bruguera, que participa de
um encontro em Porto Alegre,
parte da Bienal do Mercosul, no
fim do mês, é uma das artistas
cubanas com maior projeção
internacional. Suas performances falam quase sempre de um
estado de exceção, criando um
confronto entre uma normalidade opressora e alguns poucos
e breves lampejos de paz.
"A censura faz parte da obra",
diz Bruguera. "Se um artista faz
bem o seu trabalho, perturba o
poder econômico, a política."
Ela reconhece que na raiz de
tudo está o isolamento da ilha
onde nasceu, um cotidiano que
para o resto do mundo aparece
como anomalia. "Tento enxergar os absurdos, limites e propor outros mundos possíveis."
Sua obra vira espécie de termômetro do sentimento cubano. "Falo da passividade do povo, esse instinto de rebanho, de
nunca se rebelar", afirma. "As
pessoas em Cuba pensam uma
coisa e dizem outra, por medo,
por precaução. Misturam suas
crenças e descrenças."
Tentando desfazer a confusão, Bruguera fundou em Havana a Cátedra de Conducta,
escola de arte radical, que treinou artistas políticos e recebeu
convidados estrangeiros pela
primeira vez na ilha. Conta que
isso só foi possível por causa de
seu reconhecimento mundial.
"Se você consegue trazer
prestígio para a ilha, acaba sendo mais valorizada pelo regime,
mesmo que suas mensagens sejam contra eles", afirma. "Isso
me deu liberdade para fazer
coisas um pouco mais loucas,
atrevidas. Se faço algo que não
entendem, estou aprovada."
Mas não podiam não entender sua última performance na
ilha. Uma pomba branca foi
treinada para pousar no ombro
de cada um que discursou ao
microfone, repetindo uma célebre imagem de Fidel Castro e
invertendo, num único gesto,
as relações de poder em Cuba.
"O mais importante agora
para Cuba é definir sua imagem", diz Bruguera. "A imagem
de nós que existe há mais de 50
anos não mudou e acho que
uma mudança só é possível se
existir uma nova, que ainda
precisamos cristalizar."
(SM)
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