São Paulo, quinta-feira, 09 de julho de 2009

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"Arte serve para criar utopias possíveis"

DA REPORTAGEM LOCAL

Tania Bruguera brincou de roleta russa na abertura da Bienal de Veneza há um mês. Era um tiro em falso a cada página do manifesto que leu para poucos convidados, sem nada registrar. Também levou policiais a cavalo para dentro da Tate, em Londres. Em Havana, causou mais impacto quando deu um minuto ao microfone a cada pessoa que subisse ao pódio.
"Era uma ideia simples: dar ao público um minuto sem censura", lembra. "A arte funciona para criar utopias possíveis; essa deve ser a função do artista em qualquer lugar, mas em Cuba isso tem outro significado."
No caso, sua utopia possível era esse um minuto fugaz de liberdade de expressão. E esses minutos foram seguidos de um comunicado oficial da Bienal de Havana, que repudiou a forma como manifestantes se apropriaram da performance para veicular mensagens políticas. Era a resposta que ela precisava para concluir o trabalho.
Bruguera, que participa de um encontro em Porto Alegre, parte da Bienal do Mercosul, no fim do mês, é uma das artistas cubanas com maior projeção internacional. Suas performances falam quase sempre de um estado de exceção, criando um confronto entre uma normalidade opressora e alguns poucos e breves lampejos de paz.
"A censura faz parte da obra", diz Bruguera. "Se um artista faz bem o seu trabalho, perturba o poder econômico, a política."
Ela reconhece que na raiz de tudo está o isolamento da ilha onde nasceu, um cotidiano que para o resto do mundo aparece como anomalia. "Tento enxergar os absurdos, limites e propor outros mundos possíveis."
Sua obra vira espécie de termômetro do sentimento cubano. "Falo da passividade do povo, esse instinto de rebanho, de nunca se rebelar", afirma. "As pessoas em Cuba pensam uma coisa e dizem outra, por medo, por precaução. Misturam suas crenças e descrenças."
Tentando desfazer a confusão, Bruguera fundou em Havana a Cátedra de Conducta, escola de arte radical, que treinou artistas políticos e recebeu convidados estrangeiros pela primeira vez na ilha. Conta que isso só foi possível por causa de seu reconhecimento mundial.
"Se você consegue trazer prestígio para a ilha, acaba sendo mais valorizada pelo regime, mesmo que suas mensagens sejam contra eles", afirma. "Isso me deu liberdade para fazer coisas um pouco mais loucas, atrevidas. Se faço algo que não entendem, estou aprovada."
Mas não podiam não entender sua última performance na ilha. Uma pomba branca foi treinada para pousar no ombro de cada um que discursou ao microfone, repetindo uma célebre imagem de Fidel Castro e invertendo, num único gesto, as relações de poder em Cuba.
"O mais importante agora para Cuba é definir sua imagem", diz Bruguera. "A imagem de nós que existe há mais de 50 anos não mudou e acho que uma mudança só é possível se existir uma nova, que ainda precisamos cristalizar." (SM)


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