São Paulo, quinta-feira, 09 de julho de 2009

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COMIDA

A nova cozinha brasilera

Ao explorarem sabores e ingredientes do país, chefs e restaurantes de São Paulo protagonizam uma onda de modernidade que abre perspectivas inéditas para a gastronomia brasileira; veja onde provar essa nova cozinha

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

No começo, era um chef mais ousado aqui, outro ali; e na cola deles, mais meia dúzia que se comparava em atrevimento, mas não em talento. Era um tempo -não muito longe, de 20 anos para cá- em que os melhores cozinheiros do Brasil eram franceses ou italianos.
As coisas mudaram. A cozinha brasileira vive uma nova fase, hoje já bem nítida. Restaurantes e chefs protagonizam uma onda de modernidade que abre perspectivas inéditas para a gastronomia do país.
É claro que o chef-símbolo disso é Alex Atala, do D.O.M. É claro também que para muita gente "aquilo não é comida" nem aquele é grande cozinheiro, apenas marketing. Reações normais diante da inovação.
Mas para os curiosos em perscrutar os novos destinos para a gastronomia brasileira, Atala e sua geração representam um horizonte promissor.
O que tem de novo essa nova onda? A ousadia técnica, a experimentação? O melhor é que a resposta é: não. O que tem de novo é a assunção de uma originalidade brasileira, baseada na exploração de sabores e ingredientes do país combinada com a curiosidade de tatear novas fronteiras de gosto e de técnica.
Peixes da Amazônia, farinhas de vários cantos, queijos de rincões delimitados, temperos, raízes e frutos de nomes estranhos e sabores reveladores, passam a ser manipulados com sábia desfaçatez, sejam cozidos em vácuo a baixa temperatura, batidos no calor de máquinas espanholas ou simplesmente esmagados em prosaicos purês.
Não é a primeira vez que os ingredientes do país são assimilados de forma criativa. Nem é a primeira vez que surgem chefs criativos. Recapitulando.
No começo dessa história recente, a cozinha brasileira começou a respirar diferente, nos anos 80, quando jovens chefs egressos da França e das lições da nouvelle cuisine francesa chegaram ao Brasil. Claude Troisgros e Laurent Suaudeau praticaram a cozinha de seus mestres, mas procurando se virar com os ingredientes que tinham às mãos. E com isso redimiram mandioquinha, maracujá, banana, jabuticaba. Mas era ainda uma cozinha francesa. Só que com produtos brasileiros, o que não deixou de ser um avanço num país em que os principais cozinheiros mal e mal valorizavam as cozinhas regionais e seus produtos.
Agora é diferente. São os chefs brasileiros que olham para o Brasil. E com olhos modernos, não de nostalgia. Claro, aqueles que preservam as tradições regionais têm enorme importância para a manutenção do patrimônio cultural gastronômico. Assim como, em outro extremo, há chefs de grande talento que fazem uma cozinha moderna sem se ater ao celeiro brasileiro.
Todos têm grande valor. A novidade, porém, está naqueles que usam os potenciais dos nossos produtos e tradições para criar algo de novo, apoiando-se nos ensinamentos que a cozinha moderna e de vanguarda vem legando ao mundo.
E aqui há chefs que começaram resgatando tradições antigas e hoje praticam também uma cozinha moderna -como Mara Salles, do Tordesilhas. Outros que beberam diretamente na fonte da vanguarda espanhola, sem, no entanto, se reduzir a imitá-la -caso de Helena Rizzo (que comanda, com o espanhol Daniel Redondo, o Maní) e de Felipe Ribenboim (que dirige, com Gabriel Broide, a cozinha do Dois).
Em comum há o fato de que não correspondem mais ao velho padrão do cozinheiro brasileiro -o nordestino iletrado, talentoso mas inculto- e são oriundos de uma classe média urbana e mais culta. Contra a pasteurização da globalização, as culturas do mundo reagem se auto-afirmando. O Brasil dos rincões, da cozinha regional perpetrada por talentos naïfs, cede lugar a um Brasil mais urbano e aberto para o mundo -mas ainda assim, Brasil.

Cozinha sincopada
Essa nova cozinha faz lembrar um movimento da cultura brasileira que se impôs ao mundo: o da criação da bossa nova. Sua base foi uma música de raiz brasileira -o samba-, praticada em sua origem popular, e que músicos cultos de classe média urbana combinaram com influências de fora (como o jazz) para fazer algo original mas de ginga brasileira.
E a nova cozinha? Tem raízes brasileiras, nas referências às receitas regionais e produtos locais, praticadas por cozinheiros de origem popular; e que agora chefs cultos de classe média urbana combinaram com influências de fora (francesa e espanhola) para fazer algo original e de sabor brasileiro...


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