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COMIDA
A nova cozinha brasilera
Ao explorarem sabores e ingredientes do país, chefs e restaurantes de São Paulo protagonizam uma onda de modernidade que abre perspectivas inéditas para a gastronomia brasileira; veja onde provar essa nova cozinha
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
No começo, era um chef mais
ousado aqui, outro ali; e na cola
deles, mais meia dúzia que se
comparava em atrevimento,
mas não em talento. Era um
tempo -não muito longe, de 20
anos para cá- em que os melhores cozinheiros do Brasil
eram franceses ou italianos.
As coisas mudaram. A cozinha brasileira vive uma nova
fase, hoje já bem nítida. Restaurantes e chefs protagonizam
uma onda de modernidade que
abre perspectivas inéditas para
a gastronomia do país.
É claro que o chef-símbolo
disso é Alex Atala, do D.O.M. É
claro também que para muita
gente "aquilo não é comida"
nem aquele é grande cozinheiro, apenas marketing. Reações
normais diante da inovação.
Mas para os curiosos em
perscrutar os novos destinos
para a gastronomia brasileira,
Atala e sua geração representam um horizonte promissor.
O que tem de novo essa nova
onda? A ousadia técnica, a experimentação? O melhor é que
a resposta é: não. O que tem de
novo é a assunção de uma originalidade brasileira, baseada na
exploração de sabores e ingredientes do país combinada com
a curiosidade de tatear novas
fronteiras de gosto e de técnica.
Peixes da Amazônia, farinhas
de vários cantos, queijos de rincões delimitados, temperos,
raízes e frutos de nomes estranhos e sabores reveladores,
passam a ser manipulados com
sábia desfaçatez, sejam cozidos
em vácuo a baixa temperatura,
batidos no calor de máquinas
espanholas ou simplesmente
esmagados em prosaicos purês.
Não é a primeira vez que os
ingredientes do país são assimilados de forma criativa. Nem
é a primeira vez que surgem
chefs criativos. Recapitulando.
No começo dessa história recente, a cozinha brasileira começou a respirar diferente, nos
anos 80, quando jovens chefs
egressos da França e das lições
da nouvelle cuisine francesa
chegaram ao Brasil. Claude
Troisgros e Laurent Suaudeau
praticaram a cozinha de seus
mestres, mas procurando se virar com os ingredientes que tinham às mãos. E com isso redimiram mandioquinha, maracujá, banana, jabuticaba. Mas
era ainda uma cozinha francesa. Só que com produtos brasileiros, o que não deixou de ser
um avanço num país em que os
principais cozinheiros mal e
mal valorizavam as cozinhas
regionais e seus produtos.
Agora é diferente. São os
chefs brasileiros que olham para o Brasil. E com olhos modernos, não de nostalgia. Claro,
aqueles que preservam as tradições regionais têm enorme
importância para a manutenção do patrimônio cultural gastronômico. Assim como, em
outro extremo, há chefs de
grande talento que fazem uma
cozinha moderna sem se ater
ao celeiro brasileiro.
Todos têm grande valor. A
novidade, porém, está naqueles
que usam os potenciais dos
nossos produtos e tradições para criar algo de novo, apoiando-se nos ensinamentos que a cozinha moderna e de vanguarda
vem legando ao mundo.
E aqui há chefs que começaram resgatando tradições antigas e hoje praticam também
uma cozinha moderna -como
Mara Salles, do Tordesilhas.
Outros que beberam diretamente na fonte da vanguarda
espanhola, sem, no entanto, se
reduzir a imitá-la -caso de Helena Rizzo (que comanda, com
o espanhol Daniel Redondo, o
Maní) e de Felipe Ribenboim
(que dirige, com Gabriel Broide, a cozinha do Dois).
Em comum há o fato de que
não correspondem mais ao velho padrão do cozinheiro brasileiro -o nordestino iletrado,
talentoso mas inculto- e são
oriundos de uma classe média
urbana e mais culta. Contra a
pasteurização da globalização,
as culturas do mundo reagem
se auto-afirmando. O Brasil dos
rincões, da cozinha regional
perpetrada por talentos naïfs,
cede lugar a um Brasil mais urbano e aberto para o mundo
-mas ainda assim, Brasil.
Cozinha sincopada
Essa nova cozinha faz lembrar um movimento da cultura
brasileira que se impôs ao
mundo: o da criação da bossa
nova. Sua base foi uma música
de raiz brasileira -o samba-,
praticada em sua origem popular, e que músicos cultos de
classe média urbana combinaram com influências de fora
(como o jazz) para fazer algo
original mas de ginga brasileira.
E a nova cozinha? Tem raízes
brasileiras, nas referências às
receitas regionais e produtos
locais, praticadas por cozinheiros de origem popular; e que
agora chefs cultos de classe média urbana combinaram com
influências de fora (francesa e
espanhola) para fazer algo original e de sabor brasileiro...
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