São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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NETVOX
O fim do mistério

MARIA ERCILIA
Editora de Internet

Quando Tom Cruise e Nicole Kidman assistiram pela primeira vez "Eyes Wide Shut", o segredo era tanto que estavam sozinhos na sala e o projecionista foi obrigado a ficar de costas.
O último filme de Stanley Kubrick, estrelado pelo casal, vinha sendo protegido por uma espessa cortina de mistério. Falava-se de cenas pesadas, de orgias, nudez etc., mas aos sussurros e sem muitos detalhes. Dois trailers veiculados na Europa e EUA mostravam muito pouco -alguns beijos, um depoimento de Tom Cruise.
Até que Alexander Walker, um amigo de Kubrick que viu o filme numa sessão fechada, publicou uma resenha do filme no jornal inglês "Evening Standard".
Em questão de horas, toda a história de "Eyes Wide Shut" foi divulgada pela Internet afora.
Estraga-prazeres. Confesso que li a resenha e agora não terei muitas surpresas quando assistir o filme. Quem mandou?, dirá você.
Mas não está fácil escapar da indústria de factóides e "revelações" alimentada por toda a mídia e tremendamente facilitada pela Internet.
Veja o caso da resenha de Kubrick -se tivesse sido publicada apenas num jornal de Londres, pouca gente teria chance de vê-la.
Mas ela permanece no site e recebeu um empurrãozinho do colunista de fofocas Matt Drudge (o mesmo que nos deu o caso Monica Lewinsky). Mais reportagens sobre o "furo" de Walker em várias revistas e sites terminaram de espalhar a notícia.
No próprio jornal onde foi publicada a resenha do filme há uma reportagem sobre as suas repercussões. O autor se defende de críticas dizendo que não estava "sob embargo" e o jornal se autocongratula pelo sucesso de "audiência" do texto, que rendeu "centenas de milhares" de visitas ao site (para quem faz questão de ler -e se arrepender- o endereço é www.thisislondon.co.uk).
Não há mistério que resista a esse circuito de notícias que se auto-alimentam.
Manuel Castells, em seu livro "A Ascensão da Sociedade de Rede", diz que o que chama de redes integradas de comunicação, ao destruir a distância, pode levar também ao fim da sensação de sagrado e reverência. "As sociedades finalmente e verdadeiramente se desencantam, porque todas as maravilhas estão on line e podem ser recombinadas em mundos de imagens autogeradas", diz ele. A rapidez mágica com que a informação circula hoje resolve muitos problemas, mas não deixa muito espaço para o encanto que nasce da surpresa.
Kubrick cultivava o mistério em torno de sua obra e de sua vida pessoal porque gostava e provavelmente porque também acreditava que fosse o melhor marketing. Com certeza, teria ficado horrorizado com a resenha antecipada e com o livro lançado pelo roteirista de "Eyes Wide Shut", que esmiuça sua personalidade.
Já George Lucas descobriu que a superexposição pode ser melhor para os negócios que o mistério: quanto mais informação, penduricalhos e subprodutos vender de seus filmes, melhor.
"Episódio 1" nunca pretendeu ter a aura de segredo de "Eyes Wide Shut". Mesmo assim, o que podia ter de suspense ou surpresa na trama foi liquidado pela overdose de promoção. Todo mundo já sabe, antes de entrar no cinema, quem é a mãe de Luke, quem é o futuro Darth Vader, quem vai morrer, quem vai matar, quem é o traidor etc etc. O filme é consumido por antecipação.
Todos os vestidos da rainha já foram fotografados, todos os efeitos especiais já foram explicados, todos os bonecos do vilão, do bonzinho e dos coadjuvantes já estão à venda. São centenas de artigos, reportagens, documentários e milhares de sites esmiuçando cada detalhe da produção.
Não vou entrar no mérito do filme, pois muita gente mais capaz já o fez. Mas compare com o primeiro "Guerra nas Estrelas" -menos rico e opulento, mas tão mais cheio de magia.
"Episódio 1" preenche os espaços vazios do primeiro "Guerra nas Estrelas", tudo o que havia sido deixado à imaginação. Está mais para uma enciclopédia do culto à série, uma árvore genealógica de seus personagens e um desfile de curiosidades do que para um filme que se sustente por si mesmo.
"Star Wars" já não é uma saga, é uma marca. O que, romantismo meu à parte, talvez não torne "Episódio 1" pior do que "Guerra nas Estrelas". É produto de uma outra época, de uma indústria de cinema mais aperfeiçoada, de efeitos especiais impecáveis e de planos de marketing sem furos. Querer ainda que caiba magia, mistério e surpresa no mesmo saco talvez seja um pouco demais.

NOTAS


Cidade inteligente
O primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, inaugurou ontem um sonho tecnológico no coração do Sudeste Asiático: Cyberjaya, a "cidade inteligente". A 40 km de Kuala Lumpur, essa cidade planejada fica no centro do Multimedia Super Corridor (MSC), uma área especial com avançada infra-estrutura de telecomunicações, além do maior edifício do mundo, Petronas Towers. Até agora, 225 empresas solicitaram espaços no MSC -entre elas, British Telecom, Microsoft, Intel, NTT e Reuters; 21 já estão instaladas. Mahatir tenta atrair investimento com isenção fiscal de dez anos e outros privilégios, mas algumas empresas desistiram devido aos recentes problemas econômicos do país. O custo total do projeto Cyberjaya(www.mdc.com.my/cyberjaya/index.html) deverá ser de mais de US$ 15 bilhões.

Independentes
A Amazon vai abrir espaço para para cineastas independentes. Por meio do programa Advantage, eles poderão vender seus vídeos em sites individuais criados pela Amazon para seus cerca de 10 milhões de clientes. O esquema é o mesmo que já existe para livros e discos independentes: a Amazon cria os sites, mantém os filmes em seu estoque e inclui os títulos no catálogo de graça. Os cineastas pagam os custos de envio e dão parte do lucro para a loja (detalhes no www.amazon.com/advantage).

E-mail: ercilia@uol.com.br


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