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NETVOX
O fim do mistério
MARIA ERCILIA
Editora de Internet
Quando Tom Cruise e Nicole
Kidman assistiram pela primeira
vez "Eyes Wide Shut", o segredo
era tanto que estavam sozinhos
na sala e o projecionista foi obrigado a ficar de costas.
O último filme de Stanley Kubrick, estrelado pelo casal, vinha
sendo protegido por uma espessa
cortina de mistério. Falava-se de
cenas pesadas, de orgias, nudez
etc., mas aos sussurros e sem muitos detalhes. Dois trailers veiculados na Europa e EUA mostravam
muito pouco -alguns beijos, um
depoimento de Tom Cruise.
Até que Alexander Walker, um
amigo de Kubrick que viu o filme
numa sessão fechada, publicou
uma resenha do filme no jornal
inglês "Evening Standard".
Em questão de horas, toda a história de "Eyes Wide Shut" foi divulgada pela Internet afora.
Estraga-prazeres. Confesso que
li a resenha e agora não terei muitas surpresas quando assistir o filme. Quem mandou?, dirá você.
Mas não está fácil escapar da
indústria de factóides e "revelações" alimentada por toda a mídia e tremendamente facilitada
pela Internet.
Veja o caso da resenha de Kubrick -se tivesse sido publicada
apenas num jornal de Londres,
pouca gente teria chance de vê-la.
Mas ela permanece no site e recebeu um empurrãozinho do colunista de fofocas Matt Drudge (o
mesmo que nos deu o caso Monica Lewinsky). Mais reportagens
sobre o "furo" de Walker em várias revistas e sites terminaram de
espalhar a notícia.
No próprio jornal onde foi publicada a resenha do filme há
uma reportagem sobre as suas repercussões. O autor se defende de
críticas dizendo que não estava
"sob embargo" e o jornal se autocongratula pelo sucesso de "audiência" do texto, que rendeu
"centenas de milhares" de visitas
ao site (para quem faz questão de
ler -e se arrepender- o endereço é www.thisislondon.co.uk).
Não há mistério que resista a esse circuito de notícias que se auto-alimentam.
Manuel Castells, em seu livro "A
Ascensão da Sociedade de Rede",
diz que o que chama de redes integradas de comunicação, ao destruir a distância, pode levar também ao fim da sensação de sagrado e reverência. "As sociedades finalmente e verdadeiramente se
desencantam, porque todas as
maravilhas estão on line e podem
ser recombinadas em mundos de
imagens autogeradas", diz ele. A
rapidez mágica com que a informação circula hoje resolve muitos
problemas, mas não deixa muito
espaço para o encanto que nasce
da surpresa.
Kubrick cultivava o mistério em
torno de sua obra e de sua vida
pessoal porque gostava e provavelmente porque também acreditava que fosse o melhor marketing. Com certeza, teria ficado
horrorizado com a resenha antecipada e com o livro lançado pelo
roteirista de "Eyes Wide Shut",
que esmiuça sua personalidade.
Já George Lucas descobriu que a
superexposição pode ser melhor
para os negócios que o mistério:
quanto mais informação, penduricalhos e subprodutos vender de
seus filmes, melhor.
"Episódio 1" nunca pretendeu
ter a aura de segredo de "Eyes Wide Shut". Mesmo assim, o que podia ter de suspense ou surpresa na
trama foi liquidado pela overdose
de promoção. Todo mundo já sabe, antes de entrar no cinema,
quem é a mãe de Luke, quem é o
futuro Darth Vader, quem vai
morrer, quem vai matar, quem é
o traidor etc etc. O filme é consumido por antecipação.
Todos os vestidos da rainha já
foram fotografados, todos os efeitos especiais já foram explicados,
todos os bonecos do vilão, do bonzinho e dos coadjuvantes já estão
à venda. São centenas de artigos,
reportagens, documentários e milhares de sites esmiuçando cada
detalhe da produção.
Não vou entrar no mérito do filme, pois muita gente mais capaz
já o fez. Mas compare com o primeiro "Guerra nas Estrelas"
-menos rico e opulento, mas tão
mais cheio de magia.
"Episódio 1" preenche os espaços vazios do primeiro "Guerra
nas Estrelas", tudo o que havia sido deixado à imaginação. Está
mais para uma enciclopédia do
culto à série, uma árvore genealógica de seus personagens e um
desfile de curiosidades do que para um filme que se sustente por si
mesmo.
"Star Wars" já não é uma saga,
é uma marca. O que, romantismo
meu à parte, talvez não torne
"Episódio 1" pior do que "Guerra
nas Estrelas". É produto de uma
outra época, de uma indústria de
cinema mais aperfeiçoada, de
efeitos especiais impecáveis e de
planos de marketing sem furos.
Querer ainda que caiba magia,
mistério e surpresa no mesmo saco talvez seja um pouco demais.
NOTAS
Cidade inteligente
O primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, inaugurou ontem um sonho tecnológico
no coração do Sudeste Asiático:
Cyberjaya, a "cidade inteligente".
A 40 km de Kuala Lumpur, essa
cidade planejada fica no centro do
Multimedia Super Corridor
(MSC), uma área especial com
avançada infra-estrutura de telecomunicações, além do maior
edifício do mundo, Petronas Towers. Até agora, 225 empresas solicitaram espaços no MSC -entre elas, British Telecom, Microsoft, Intel, NTT e Reuters; 21 já estão instaladas. Mahatir tenta
atrair investimento com isenção
fiscal de dez anos e outros privilégios, mas algumas empresas desistiram devido aos recentes problemas econômicos do país. O
custo total do projeto Cyberjaya(www.mdc.com.my/cyberjaya/index.html) deverá ser de mais de
US$ 15 bilhões.
Independentes
A Amazon vai abrir espaço para
para cineastas independentes.
Por meio do programa Advantage, eles poderão vender seus vídeos em sites individuais criados
pela Amazon para seus cerca de
10 milhões de clientes. O esquema
é o mesmo que já existe para livros e discos independentes: a
Amazon cria os sites, mantém os
filmes em seu estoque e inclui os
títulos no catálogo de graça. Os cineastas pagam os custos de envio
e dão parte do lucro para a loja
(detalhes no www.amazon.com/advantage).
E-mail: ercilia@uol.com.br
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