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FERNANDO BONASSI
O Dia dos Filhos
Em primeiro lugar é bom lembrar aos esquisitos: vossos filhos tão queridos, ou perdidos,
são as conseqüências evidentes
dos prazeres mais urgentes, delicados, dedicados ou simplesmente indecentes, exercidos em certa
ocasião. A "ocasião pecaminosa"
pode ter passado, mas não a sensação gostosa do pecado. Sejamos
crentes fervorosos, ateus empedernidos ou simplesmente preguiçosos por não crer que, quer queiramos, quer não creiamos em
cristos, demônios ou ritos, nossos
filhos são um tanto de um certo
fruto errado, do vício ou do desejo
insuportável de existirmos. Existimos. Apesar daqueles que teimam em firmar o pacto de matar-nos como patos assados em
explosões de botijões de gás; bombas terroristas, legalistas; mísseis
lacrimogêneos ou recados teleguiados, nós existimos! Vejam só
como somos sós suportando nosso
destino, ou desatino, como burros
carregados...
"Conseguimos, então! Persistimos!", diremos. Mas... "à que será
que se destina?", perguntaria o
poeta suicida que preparava um
desfecho menos homicida para
tudo isso... O fato é que gostamos
de viver e de gozar fazendo vidas
da vida que tivermos. O maior
dos canalhas cabeludos e o mais
insidioso dentre os carecas mafiosos vieram da mesma troca de
fluídos, fluxos e interesses. A intenção é sempre a melhor, mesmo
quando se usa os piores argumentos para conseguir usufruir dessa
diversão barata e insuperável,
com que a constituição incomparável presenteou o ser humano.
Sexo. Este submundo dos corpos.
Nossos filhos tortos são a prova
indiscutível de sermos homens ao
menos biologicamente por um segundo geneticamente inexprimível! Claro que, não raro, humanos
muitos nem parecem ser, já que o
terror teima em fazer valer seus
homens camuflados e armados
nas dependências das polícias a
nos atacar pelas costas nessas cidades prósperas, justamente
quando menos os temos visto pela
frente... Se aquele que se diz "o
criador", que é todo-poderoso,
rancoroso, coisa e tal, disse envaidecidamente que o ideal para o
aperfeiçoamento de sua raça ranheta, ou irracional, era que crescêssemos para algum lado e nos
multiplicássemos por alguma razão! Jesus chamava as criancinhas para conversa nos bosques
verdejantes porque sabia que as
suas bobagens eram muito mais
interessantes do que a coisa séria
que os cristãos maduros, ou judeus mais duros, vinham implorar nas muralhas das aldeias miseráveis. "Mal crescem como espécie e já querem um tipo de salvação!" -teria sido a reflexão da
divindade em meio às amargas
diatribes dos diabéticos, desgraçados ou desamparados que grudavam-lhe nas vestes como vespas. Os comunistas mesmo comiam criancinhas à esmo nas caricaturas dos fascistas em imagens horripilantes! Ainda assim
os filhos ensinam aos pais que há
uma vida mais importante que a
deles, por mais reles que sejam ou
estejam nas atuais condições sociais. Porque os filhos são bens
materiais! Têm conflitos, dão despesas e sentidos; podem ser agressivos, esquivos e abusados; apresentam embalagens inflamáveis,
são indomáveis aos laços e lisos
nos traços engordurados por frituras, cravos e espinhas. São como ervas danadinhas que se erguem sujos nas fraldas para cobrar dos maiores as menores faltas que fizemos. Ficamos amarelos como os cartões dos juízes e
com um medo terrível de nos julgar, pois a pena que deveríamos
nos dar seria uma porcaria perto
da grandeza da sujeira que obramos. Faz parte desse jogo o risco
interminável do perigo inevitável
de estar vivo, que a gente até esquece em meio a tanta realidade
dividida que aparece; e são os filhos que nos ensinam de verdade
que toda existência é frágil, se esvanece entre os dedos e traquejos,
podendo ser interrompida de bobeira, em qualquer estágio. Ficam
nos perguntando às gargalhadas
babadas se somos felizes nessa
empreitada, já que para eles tudo
parece festa, exatamente como
gostaríamos que festa tudo fosse!
Quando vão mal nas provas nos
trazem as novas mais antigas, de
um momento em que aprendíamos a ler e escrever, o que paramos de fazer em nome de ser ou
não ser alguma coisa num mercado de trabalho que prefere os paspalhos aos inteligentes, uma vez
que os salários que esses salafrários pagam aos otários deixam os
pequenos mais amesquinhados.
Filhos até podem ser fenômenos
assassinos, cometendo parricídios, antecipando-nos a herança
da violência que legamos em
guerras, marras ou sacrifícios!
Partem para atos ilegais e atrocidades imorais que nunca imaginávamos abrigar em casa! Porém
casas de família abrigam tantas
causas de arrepiar que nem é bom
falar... Não importa o dinheiro
que gastarmos e às responsabilidades que faltarmos: são os filhos
que mostram duplamente aos
pais que eles já foram crianças
inocentes antes de serem esses
adultos culpados, cansados ou capados. Porque um filho nasce
duas vezes: a primeira quando
chega como um bebê bobo na maternidade e outra quando parte
querendo dar uma, ou alguma
coisa, de esperto, transformando-nos a paternidade em eterno susto, ao lançarem-se feitos loucos
imprudentes como fomos no passado por essas velhas e selvagens
avenidas que agora haverão de
dominar...
Quanto às filhas das mães...
bem, os pais normais também se
casariam com elas (não fosse um
aspecto obscuro de nossa cultura
e evolução; se é que evoluímos para algum lugar, o que está por se
provar), assim como os mais sérios dentre os fanáticos egoístas
também quiseram continuar em
função, fusão ou comunhão com
suas próprias mães em tempos
imemoriais... De forma que por
essas explicações psicotrópicas e
anormais, fica consagrado que o
Dia dos Pais é o dia dos filhos dos
pais, e ademais, dos seus filhos,
Torquatos e netos.
@ - fbonassi@uol.com.br
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