São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2005

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FERNANDO BONASSI

O Dia dos Filhos

Em primeiro lugar é bom lembrar aos esquisitos: vossos filhos tão queridos, ou perdidos, são as conseqüências evidentes dos prazeres mais urgentes, delicados, dedicados ou simplesmente indecentes, exercidos em certa ocasião. A "ocasião pecaminosa" pode ter passado, mas não a sensação gostosa do pecado. Sejamos crentes fervorosos, ateus empedernidos ou simplesmente preguiçosos por não crer que, quer queiramos, quer não creiamos em cristos, demônios ou ritos, nossos filhos são um tanto de um certo fruto errado, do vício ou do desejo insuportável de existirmos. Existimos. Apesar daqueles que teimam em firmar o pacto de matar-nos como patos assados em explosões de botijões de gás; bombas terroristas, legalistas; mísseis lacrimogêneos ou recados teleguiados, nós existimos! Vejam só como somos sós suportando nosso destino, ou desatino, como burros carregados...
"Conseguimos, então! Persistimos!", diremos. Mas... "à que será que se destina?", perguntaria o poeta suicida que preparava um desfecho menos homicida para tudo isso... O fato é que gostamos de viver e de gozar fazendo vidas da vida que tivermos. O maior dos canalhas cabeludos e o mais insidioso dentre os carecas mafiosos vieram da mesma troca de fluídos, fluxos e interesses. A intenção é sempre a melhor, mesmo quando se usa os piores argumentos para conseguir usufruir dessa diversão barata e insuperável, com que a constituição incomparável presenteou o ser humano. Sexo. Este submundo dos corpos. Nossos filhos tortos são a prova indiscutível de sermos homens ao menos biologicamente por um segundo geneticamente inexprimível! Claro que, não raro, humanos muitos nem parecem ser, já que o terror teima em fazer valer seus homens camuflados e armados nas dependências das polícias a nos atacar pelas costas nessas cidades prósperas, justamente quando menos os temos visto pela frente... Se aquele que se diz "o criador", que é todo-poderoso, rancoroso, coisa e tal, disse envaidecidamente que o ideal para o aperfeiçoamento de sua raça ranheta, ou irracional, era que crescêssemos para algum lado e nos multiplicássemos por alguma razão! Jesus chamava as criancinhas para conversa nos bosques verdejantes porque sabia que as suas bobagens eram muito mais interessantes do que a coisa séria que os cristãos maduros, ou judeus mais duros, vinham implorar nas muralhas das aldeias miseráveis. "Mal crescem como espécie e já querem um tipo de salvação!" -teria sido a reflexão da divindade em meio às amargas diatribes dos diabéticos, desgraçados ou desamparados que grudavam-lhe nas vestes como vespas. Os comunistas mesmo comiam criancinhas à esmo nas caricaturas dos fascistas em imagens horripilantes! Ainda assim os filhos ensinam aos pais que há uma vida mais importante que a deles, por mais reles que sejam ou estejam nas atuais condições sociais. Porque os filhos são bens materiais! Têm conflitos, dão despesas e sentidos; podem ser agressivos, esquivos e abusados; apresentam embalagens inflamáveis, são indomáveis aos laços e lisos nos traços engordurados por frituras, cravos e espinhas. São como ervas danadinhas que se erguem sujos nas fraldas para cobrar dos maiores as menores faltas que fizemos. Ficamos amarelos como os cartões dos juízes e com um medo terrível de nos julgar, pois a pena que deveríamos nos dar seria uma porcaria perto da grandeza da sujeira que obramos. Faz parte desse jogo o risco interminável do perigo inevitável de estar vivo, que a gente até esquece em meio a tanta realidade dividida que aparece; e são os filhos que nos ensinam de verdade que toda existência é frágil, se esvanece entre os dedos e traquejos, podendo ser interrompida de bobeira, em qualquer estágio. Ficam nos perguntando às gargalhadas babadas se somos felizes nessa empreitada, já que para eles tudo parece festa, exatamente como gostaríamos que festa tudo fosse! Quando vão mal nas provas nos trazem as novas mais antigas, de um momento em que aprendíamos a ler e escrever, o que paramos de fazer em nome de ser ou não ser alguma coisa num mercado de trabalho que prefere os paspalhos aos inteligentes, uma vez que os salários que esses salafrários pagam aos otários deixam os pequenos mais amesquinhados. Filhos até podem ser fenômenos assassinos, cometendo parricídios, antecipando-nos a herança da violência que legamos em guerras, marras ou sacrifícios! Partem para atos ilegais e atrocidades imorais que nunca imaginávamos abrigar em casa! Porém casas de família abrigam tantas causas de arrepiar que nem é bom falar... Não importa o dinheiro que gastarmos e às responsabilidades que faltarmos: são os filhos que mostram duplamente aos pais que eles já foram crianças inocentes antes de serem esses adultos culpados, cansados ou capados. Porque um filho nasce duas vezes: a primeira quando chega como um bebê bobo na maternidade e outra quando parte querendo dar uma, ou alguma coisa, de esperto, transformando-nos a paternidade em eterno susto, ao lançarem-se feitos loucos imprudentes como fomos no passado por essas velhas e selvagens avenidas que agora haverão de dominar...
Quanto às filhas das mães... bem, os pais normais também se casariam com elas (não fosse um aspecto obscuro de nossa cultura e evolução; se é que evoluímos para algum lugar, o que está por se provar), assim como os mais sérios dentre os fanáticos egoístas também quiseram continuar em função, fusão ou comunhão com suas próprias mães em tempos imemoriais... De forma que por essas explicações psicotrópicas e anormais, fica consagrado que o Dia dos Pais é o dia dos filhos dos pais, e ademais, dos seus filhos, Torquatos e netos.


@ - fbonassi@uol.com.br

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