São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

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Padre Marcelo agora mira evangélicos

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O que o papa disse a padre Marcelo Rossi quando ele lhe entregou uma cópia do filme "Maria -Mãe do Filho de Deus?"
"Não falou muito, em razão da doença, mas deu para entender que era para eu continuar o trabalho", diz o religioso. E o cinema faz parte do pacote, conclui.
Bênção melhor impossível para Diler Trindade, produtor de "Maria" -visto por mais de 2,7 milhões de espectadores- e de outros recordistas de bilheteria.
Amanhã, 11 meses após a estréia do primeiro longa protagonizado pelo sacerdote astro, Diler coloca em mais de 200 salas sua nova saga, "Irmãos de Fé".
Desta vez, o padre deu um passo além rumo ao paraíso das bilheterias. "Irmãos" custou R$ 4,8 milhões -R$ 300 mil a mais do que "Maria"- e abriu as portas dos cinemas aos evangélicos, já que o tema -a vida do apóstolo Paulo- não é restrito ao catolicismo, como a história da mãe de Jesus. "Esse é mais ecumênico do que "Maria", que foi chamado por uma revista de "contra-ataque dos católicos aos evangélicos", o que os desagradou", diz Rossi, para quem o novo longa "tem forte conteúdo de evangelização". "Irmãos" é certamente mais voltado a evangélicos'", afirma Diler.
Se conquistar evangélicos e ampliar seu rebanho cinematográfico, Rossi consolida o que o produtor chama de "filão da Bíblia no cinema". "Quando fizemos "Maria", não conhecíamos o segmento e não sabíamos no que ia dar. Para "Irmãos" esperamos, no mínimo, bilheteria semelhante à do anterior", afirma o produtor.
Já que papa e público parecem abençoar, ele prepara também uma série bíblica com Rossi para a TV paga do Brasil e da América Latina.
Para Diler -que assina a produção de longas como os de Xuxa Meneghel e de Renato Aragão-, o polêmico "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, deu um empurrão à nova onda de "cinema de fé".
E a questão anti-semita, que acabou alavancando as bilheterias do filme de Gibson, poderá vir à tona também em "Irmãos". O filme mostra a conversão de Saulo, judeu perseguidor de cristãos, no apóstolo Paulo de Tarso. O galã global Thiago Lacerda faz cara de "mau" para interpretar Saulo, que tortura fiéis de Cristo.
Após a conversão, vira mocinho e apanha de judeus ao pregar em sinagogas. E passa a questionar costumes judaicos, como a circuncisão. "A lei não pode ser um fardo impossível", declara.
Rossi não vê anti-semitismo, mas fidelidade à bíblia. "Falei com o [rabino Henry] Sobel, meu amigo. Tomamos todos os cuidados para não passar nada anti-semita. Se alguém se sentir ofendido, peço desculpas antecipadamente."
"Irmãos de Fé" demonstra realmente precaução. Numa das cenas, o apóstolo Paulo diz: "Não são todos os judeus que me odeiam, somente aqueles a que toma a intolerância". Além disso, Marcelo Rossi usou o quipá judaico nas cenas em Jerusalém (realizadas graças a um merchandising da Varig, que coloca um de seus aviões numa cena do filme, como se levasse o padre a seu destino).
"Gravei no Muro das Lamentações [local sagrado dos judeus e muçulmanos] só por essa razão."

Críticas à religião
Co-astro do longa-metragem -ao lado do próprio padre, claro-, Thiago Lacerda concorda que não haja anti-semitismo. E ele fala quase como uma autoridade em assuntos bíblicos -já fez papel de Jesus quatro vezes, três nas grandes encenações nordestinas da Paixão de Cristo, e uma na peça teatral "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (que agora terá uma temporada em Portugal).
O ator, que foi batizado no catolicismo mas diz não ser praticante, chegou a ficar na dúvida se deveria aceitar o convite para "Irmãos de Fé", que "seria um instrumento de comunicação da igreja". "Resolvi dizer sim porque sou ator e estava sendo preconceituoso com o projeto, por ele ser de um instituição. Conclui que, apesar disso, leva uma mensagem boa, de tolerância", afirma.
Mas Lacerda se mantém crítico a algumas passagens do longa, como a que seu personagem diz: "Não ter nada, andar a pé, dormir exausto, tudo isso me acalma. Amanhã, o seu corpo sentirá saudades das dores de hoje".
"A sociedade ocidental, cristã e judaica, vive sob a doutrina do arrependimento, do pecado original, que tem a clara intenção de manter as pessoas na rédea. Não me identifico com isso e acho que não devemos nos desculpar de nada, mas viver."


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