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TEATRO
Obra de Marcelo Pedreira, "o mais paulista dos autores cariocas", desafia limites do realismo psicológico com metafísica
Peça discute isolamento e remete ao dilúvio bíblico
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Peças com dois personagens,
em especial um homem e uma
mulher, não faltam na história da
dramaturgia. Mas "Dilúvio em
Tempos de Seca", que estréia hoje
no Teatro Dulcina, no Rio, desafia
os limites do realismo psicológico
e procura extrair questões metafísicas do isolamento de um homem (Wagner Moura) e uma
mulher (Giulia Gam).
"Eles não são um casal, mas dois
representantes da raça humana.
Como há um dilúvio do lado de
fora, a situação deles é bíblica, remete à Arca de Noé. Há uma série
de alegorias e metáforas na peça,
que não trata de dramas psicológicos", diz Giulia.
Foi a atriz quem descobriu o
texto do pouco conhecido Marcelo Pedreira, 40. Giulia coordenava
as leituras do projeto Tudo É Teatro e soube da peça, que tinha se
destacado no ciclo Nova Dramaturgia Carioca, em 2003. Para ela,
Pedreira "é o mais paulista dos
autores cariocas".
"Ele faz um teatro urbano que
não é solar, mas com toques absurdos, surrealistas, com influência de [Albert] Camus e [Samuel]
Beckett. É algo mais parecido com
autores paulistas como Mário
Bortolotto e Fernando Bonassi
[colunista da Folha] do que com
as características cariocas", diz.
Pedreira assume seu lado "paulista". "Minha dramaturgia é mais
densa, enquanto no Rio, inclusive
entre os autores do Nova Dramaturgia Carioca, predominam as
comédias leves, peças mais light."
"Dilúvio em Tempos de Seca"
tem pouco de light. Uma chuva
torrencial impede duas pessoas
de sair de um apartamento. Não
há energia elétrica e os primeiros
andares do prédio foram cobertos
pela água.
Ele, escritor, a contratou para
"posar"; no caso, servir como referência para que ele escreva um
livro definitivo sobre a condição
humana. Em meio a drogas e álcool, aumenta a tensão e o sentido
que dão para o que estão vivendo.
"São duas ilhas de solidão que
tentam, no início, integrar-se
usando as palavras, verborragicamente. Mas se dão conta da falência das palavras e passam para outro plano. Buscam uma relação
dentro de limites humanos, da
cumplicidade e da compreensão
das dores de cada um", explica
Pedreira.
Segundo ele, a tempestade cumpre a metáfora da lavagem de um
tempo para o surgimento de outro. A água que impede os personagens de ir para a rua também é
alegoria para se representar a depressão do escritor, acuado pelo
mundo hostil do lado de fora, como muitos se sentem.
Vencedor de vários prêmios nos
últimos anos, o diretor Aderbal
Freire Filho procurou evitar qualquer aparência de realismo psicológico. A ação não ocorre no tradicional palco italiano, mas sim
em meio ao público, numa arena;
e há rápidos entreatos em meio às
dez cenas, nos quais os atores trocam seus personagens por uma
função narrativa.
"O espetáculo procura sublinhar essa dimensão filosófica da
peça. Ela, por exemplo, é uma
modelo, função que resume bem
a aspiração geral do mundo de
hoje. Procuramos tratá-la como
uma deusa da mitologia contemporânea, do caos do nosso momento", diz o diretor.
Wagner Moura também ressalta a atualidade da peça de Pedreira. "Dos textos contemporâneos
que eu li, é o mais impactante. Fala com a linguagem de hoje de como as pessoas vivem hoje, relacionam-se hoje", afirma o ator.
DILÚVIO EM TEMPOS DE SECA.
Quando: de 9/9 a 31/10 (qui. a sáb., às
21h; dom., às 20h). Onde: Teatro Dulcina
(r. Alcindo Guanabara, 19, RJ, tel. 0/xx/
21/ 2240-4879). Quanto: R$ 15.
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