São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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MANUEL DA COSTA PINTO

Arte minoritária

A. Alvarez analisa em ensaios a invenção de uma voz "autêntica", que caracterizaria a literatura

"AUTOR", "narrador" e "leitor ideal" são categorias elementares na teoria literária, mas que admitem grande número de definições e variantes.
Em "A Voz do Escritor", A. Alvarez discute um conceito correlato, que tem sido associado pelos estudos culturais à expressão de minorias étnicas ou sexuais -aos quais o escritor inglês opõe uma erudita concepção de arte, avessa a qualquer concessão ao politicamente correto.
Os três ensaios reunidos no livro foram apresentados originalmente em palestras na Biblioteca Pública de Nova York. Pertencem, portanto, ao gênero de "Seis Propostas para o Próximo Milênio", de Italo Calvino, e "Sete Noites", do argentino Jorge Luis Borges.
Os dois primeiros textos de A. Alvarez expõem aquilo que para ele caracteriza a literatura: a invenção de uma voz "autêntica", que não se confunde com o estilo, embora não possa prescindir dele. Em "Encontrando uma Voz" e "Escutando", examina o fenômeno dos pontos de vista do autor e do receptor -instâncias complementares, uma vez que os escritores que menciona são também grandes leitores, que conquistaram sua singularidade no confronto com a tradição.
Não por acaso, um de seus modelos é o T. S. Eliot de "Tradição e Talento Individual". Ao comentar célebre aforismo de Eliot ("poetas imaturos imitam; poetas amadurecidos roubam"), Alvarez mostra que essa "piada maliciosa a respeito de si mesmo" e das apropriações cifradas em "A Terra Devastada" revelam a estratégia pela qual o escritor encontra sua voz:
"Como ele acreditava firmemente na impessoalidade clássica da arte, teria alegado que essa colcha de retalhos de citações e referências era simplesmente um modo de confrontar a cultura fragmentada da Europa após a Primeira Guerra com um passado espiritualmente mais rico e enraizado. Mas tornou os fragmentos tão seus que eles também acabaram compondo uma imagem estilhaçada de seus problemas particulares, reflexos de um espelho rachado, um auto-retrato cubista."
Pontuado por análises de Henry James e Yeats, "A Voz do Escritor" evita o biografismo, mostrando que autores como Sylvia Plath, Robert Lowell e John Berryman (que Alvarez denomina "extremistas") souberam criar "uma arte que se desenvolve sobre a frágil borda entre o tolerável e o intolerável, embora (...) com toda a disciplina, a lucidez e a atenção ao detalhe a que Eliot tacitamente se refere quando fala em classicismo". No terceiro e mais polêmico ensaio, "O Culto da Personalidade e o Mito do Artista", Alvarez lança esse arsenal contra um arco que leva da agonia do gênio romântico até a exaltação psicodélica e o antiintelectualismo dos beatniks ("realismo socialista transformado pelo livre-comércio em surrealismo de mercado") e contrapõe à literatura das minorias uma "arte minoritária" -exigente e culta, exilada da sociedade do espetáculo.


A VOZ DO ESCRITOR    
Autor: A. Alvarez
Tradução: Luiz Antonio Aguiar
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 28,90 (160 págs.)


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