São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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FERNANDO GABEIRA

Em busca do fio de esperança

Estão dadas algumas condições históricas para fazer do Congresso um espaço decente

UM FIO de esperança. Foi o que deu para tecer no Congresso, com a queda do Severino Cavancanti, a CPI dos Sanguessugas e a conquista do voto aberto. Gostaria de usar a palavra esperança, simplesmente. Seria uma certa temeridade. Minha tese é de que estão dadas algumas condições históricas para fazer do Congresso um espaço decente e produtivo. Um espaço com o qual o novo presidente possa trocar idéias, e não moedas.
O ponto central é o contínuo amadurecimento de uma opinião pública mais atenta. E a mídia. Muitos políticos olham com desconfiança os que se articulam com a mídia.
Não compreendem que não se faz política sem a mídia. Jacques Ellul, no século passado, afirmava que um fato só se torna político pela mediação da imprensa. Se 20 índios ianomâmis são assassinados e ninguém ouve falar, o crime não se torna um fato político. Caso apareça na televisão, o que era um mistério da floresta torna-se um problema mundial.
O surgimento da CNN, a ampliação da BBC e da Al Jazeera transformaram a diplomacia, obrigando-a a dar respostas rápidas e inteligíveis e a assumir uma face mais aberta e democrática.
A dificuldade é que muitos políticos brasileiros têm uma experiência amarga da mídia regional. Jornais e estações de TV e rádio estão nas mãos dos adversários.
A desconfiança só será superada quando a mídia regional aproximar-se da nacional em termos de independência partidária.
Há sempre a tentação de demonizar a mídia e buscar um contato por cima dela com as grandes massas. Chavez consegue se equilibrar com leis autoritárias sobre a mídia, mas sobretudo porque o crescimento da Venezuela é de 8,5% e há os grandes excedentes do petróleo.
Independentemente de quem seja o vencedor, vai encontrar mecanismos de fiscalização mais sofisticados. Já existe gente capaz e instrumentos e, acho eu, até uma disponibilidade internacional para contribuir com um processo desses.
A articulação da mídia com esse aparato fiscalizador pode ser uma das determinantes do futuro próximo. A outra determinante é a maneira como os políticos vão encarar sua vitória nas urnas. Se a tomarem como uma carta branca para prolongar a vida dessa estrutura política apodrecida, vão provocar novas tempestades.
Existe um consenso sobre o esforço na educação, um consenso sobre a ampliação da infra-estrutura.Tudo isso demanda dinheiro. Se o Estado não liberar, por meio de uma profunda racionalização, os recursos para isso, o crescimento será pequeno. O nível de investimentos do Estado é o mais baixo do pós-guerra.
Estrutura política e máquina estatal passarão a ser um grande obstáculo ao crescimento. Um obstáculo que, de certa forma, depende de todos. Vai depender da mídia, por exemplo, ter boa vontade com uma lei que proíba propaganda estatal.
Em vez de acompanhar o ritmo das campanhas, é possível ver conflitos no horizonte, a julgar pelos programas e falas.
Não há consenso sobre racionalizar os gastos do Estado. Há quem fale em aumentá-los. Quem vive em Brasília, no plano piloto, como eu, sabe que desfrutamos do maior índice de desenvolvimento humano. É um indício, confirmado por tantos gastos supérfluos, de que a imensa máquina burocrática cuida melhor de si do que do país.
Sei que uma preocupação dessas, normalmente, nos envia para a lata de lixo da história, onde pululam os neoliberais. Aliás, já freqüentei a lata de lixo da história, quando lutei pela quebra do monopólio nas telecomunicações. Os celulares foram um elemento decisivo na vitória da esquerda na Espanha, logo após a atentado na estação de metrô. Por meio de milhares de mensagens, informações foram trocadas e manifestações convocadas.
É confortável saber que, em alguns lugares, em vez de brigar com, utiliza-se a revolução tecnológica. O espírito conservador contribui para que se ignore também a presença do mundo, cada vez mais nos envolvendo. Um mundo que obriga a uma corrida pela competitividade, a uma inter-relação mais atenta.
A guerra no Líbano passou distante do nosso universo político, incapaz de ver a dimensão das colônias libanesas e judias no Brasil e de se posicionar junto com elas. Nada disso compromete um otimismo moderado. Ao longo das três batalhas, vi a importância dos que acreditam, mas passei a valorizar também os que não acreditam, os que questionam com ceticismo. Estes nos ajudam a manter o pé no chão, equilibrados no fio de esperança.


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