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FERNANDO GABEIRA
Em busca do fio de esperança
Estão dadas algumas
condições históricas
para fazer do Congresso
um espaço decente
UM FIO de esperança. Foi o que
deu para tecer no Congresso,
com a queda do Severino Cavancanti, a CPI dos Sanguessugas e a
conquista do voto aberto. Gostaria
de usar a palavra esperança, simplesmente. Seria uma certa temeridade. Minha tese é de que estão dadas algumas condições históricas
para fazer do Congresso um espaço
decente e produtivo. Um espaço
com o qual o novo presidente possa
trocar idéias, e não moedas.
O ponto central é o contínuo amadurecimento de uma opinião pública mais atenta. E a mídia. Muitos políticos olham com desconfiança os
que se articulam com a mídia.
Não compreendem que não se faz
política sem a mídia. Jacques Ellul,
no século passado, afirmava que um
fato só se torna político pela mediação da imprensa. Se 20 índios ianomâmis são assassinados e ninguém
ouve falar, o crime não se torna um
fato político. Caso apareça na televisão, o que era um mistério da floresta torna-se um problema mundial.
O surgimento da CNN, a ampliação da BBC e da Al Jazeera transformaram a diplomacia, obrigando-a a
dar respostas rápidas e inteligíveis e
a assumir uma face mais aberta e democrática.
A dificuldade é que muitos políticos brasileiros têm uma experiência
amarga da mídia regional. Jornais e
estações de TV e rádio estão nas
mãos dos adversários.
A desconfiança só será superada
quando a mídia regional aproximar-se da nacional em termos de independência partidária.
Há sempre a tentação de demonizar a mídia e buscar um contato por
cima dela com as grandes massas.
Chavez consegue se equilibrar com
leis autoritárias sobre a mídia, mas
sobretudo porque o crescimento da
Venezuela é de 8,5% e há os grandes
excedentes do petróleo.
Independentemente de quem seja o vencedor, vai encontrar mecanismos de fiscalização mais sofisticados. Já existe gente capaz e instrumentos e, acho eu, até uma disponibilidade internacional para contribuir com um processo desses.
A articulação da mídia com esse
aparato fiscalizador pode ser uma
das determinantes do futuro próximo. A outra determinante é a maneira como os políticos vão encarar
sua vitória nas urnas. Se a tomarem
como uma carta branca para prolongar a vida dessa estrutura política
apodrecida, vão provocar novas
tempestades.
Existe um consenso sobre o esforço na educação, um consenso sobre
a ampliação da infra-estrutura.Tudo
isso demanda dinheiro. Se o Estado
não liberar, por meio de uma profunda racionalização, os recursos
para isso, o crescimento será pequeno. O nível de investimentos do Estado é o mais baixo do pós-guerra.
Estrutura política e máquina estatal passarão a ser um grande obstáculo ao crescimento. Um obstáculo
que, de certa forma, depende de todos. Vai depender da mídia, por
exemplo, ter boa vontade com uma
lei que proíba propaganda estatal.
Em vez de acompanhar o ritmo
das campanhas, é possível ver conflitos no horizonte, a julgar pelos
programas e falas.
Não há consenso sobre racionalizar os gastos do Estado. Há quem fale em aumentá-los. Quem vive em
Brasília, no plano piloto, como eu,
sabe que desfrutamos do maior índice de desenvolvimento humano. É
um indício, confirmado por tantos
gastos supérfluos, de que a imensa
máquina burocrática cuida melhor
de si do que do país.
Sei que uma preocupação dessas,
normalmente, nos envia para a lata
de lixo da história, onde pululam os
neoliberais. Aliás, já freqüentei a lata
de lixo da história, quando lutei pela
quebra do monopólio nas telecomunicações. Os celulares foram um elemento decisivo na vitória da esquerda na Espanha, logo após a atentado
na estação de metrô. Por meio de
milhares de mensagens, informações foram trocadas e manifestações convocadas.
É confortável saber que, em alguns lugares, em vez de brigar com,
utiliza-se a revolução tecnológica. O
espírito conservador contribui para
que se ignore também a presença do
mundo, cada vez mais nos envolvendo. Um mundo que obriga a uma
corrida pela competitividade, a uma
inter-relação mais atenta.
A guerra no Líbano passou distante do nosso universo político, incapaz de ver a dimensão das colônias
libanesas e judias no Brasil e de se
posicionar junto com elas. Nada disso compromete um otimismo moderado. Ao longo das três batalhas, vi
a importância dos que acreditam,
mas passei a valorizar também os
que não acreditam, os que questionam com ceticismo. Estes nos ajudam a manter o pé no chão, equilibrados no fio de esperança.
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