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CRÍTICA APICHATPONG WEERASETHAKUL
Cinema híbrido de tailandês tira forças da crise da razão
BERNARDO CARVALHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O antropólogo francês Philippe Descola tem uma teoria
genial sobre as formas como
o homem lida com o que não
é humano (plantas, animais
e objetos).
É também a questão central dos filmes do tailandês
Apichatpong Weerasethakul, vencedor da Palma de
Ouro no Festival de Cannes e
convidado da 29ª Bienal de
SP, que abre no dia 25.
Descola diz que até hoje a
humanidade se relacionou
com o não humano por meio
de quatro sistemas. No animismo, característico dos indígenas da Amazônia, os espíritos tomam a forma de homens e animais.
No totemismo, característico dos aborígenes australianos, a identidade dos indivíduos é determinada pelas espécies animais e pelos territórios onde elas vivem.
No analogismo, característico de sociedades como a Índia e a China (e do Ocidente
antes do renascimento), as
identidades só podem se estabelecer por leis gerais,
coercitivas e analógicas. É o
caso do I Ching e da astrologia, que determinam correspondências arbitrárias entre
as coisas mais díspares, como o movimento dos planetas e a sorte das pessoas.
Por último, o naturalismo,
característico do Ocidente
moderno, é o modo que permite pela primeira vez ao homem ver a natureza como
"outro", distinta do humano,
condição de possibilidade da
ciência moderna.
Weerasethakul está na
confluência dessas quatro
cosmologias, entre o arcaico
e o moderno, e por isso seus
filmes são ao mesmo tempo
tão fascinantes e tão enigmáticos. Segundo Descola, o
mundo da razão já dá sinais
de agonizar.
Com a globalização e o embaralhamento entre cultura e
natureza, estaríamos passando, sob influência da Índia e da China, a um novo
modo analógico.
Com os parâmetros da razão embaralhados, ficamos à
mercê de novas leis arbitrárias para entender o mundo.
É dessa crise que Weerasethakul tira a sua força.
ORDEM INSONDÁVEL
Há nos filmes, além de um
humor peculiar e uma sexualidade à flor da pele, um mistério criado por uma expectativa sem ação e pela consequente suposição de uma ordem incompreensível.
À primeira vista, essa ordem insondável parece representar um sistema de
pensamento que já não faz
parte do mundo da razão.
Mas Weerasethakul estudou numa escola de cinema
mais experimental, em Chicago, e a própria estranheza
de seus filmes celebra a ideia
de uma subjetividade autoral
e de um humanismo que não
podem ser incorporados simplesmente a um mundo analógico ou animista.
É um cinema híbrido que
não se deixa compreender
pelos parâmetros da razão,
mas que depende deles para
afirmar a sua radicalidade.
E é essa posição problemática de resistência que faz
desse cineasta um dos casos
mais inesperados e surpreendentes do cinema atual.
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