São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Espaço dos Satyros movimenta o centro com 16 espetáculos em cartaz

Todo mundo na praça

Fotos Ana Ottoni/Folha Imagem
No chamado "Pentágono", Rodolfo García Vázquez (esq.) e Ivam Cabral seguram a maquete que reproduz a região onde mantém duas salas de teatro; freqüentadores já serviram de inspiração para uma das peças do grupo, "A Vida na Praça Roosevelt"


Cercado por uma vitrola e discos em vinil de Fernando Mendes e Carmen Miranda, o ator Ivam Cabral está com ar cansado e olheiras quando recebe a coluna no escritório do grupo de teatro Os Satyros, em São Paulo. "Estou de ressaca", confessa. Cabral, 40, um dos fundadores do grupo, passou noites em claro por causa do evento "Satyrianas, uma Saudação à Primavera", o maior projeto da companhia: 78 horas de atividades ininterruptas, desde leituras de peças e poesias à encenação do espetáculo "Uroborus", que durou mais de três dias na semana passada. Sim, três.

O espetáculo era uma colagem de textos clássicos da dramaturgia onde 78 duplas de atores se revezavam por uma hora em cena. "Até no cruel horário das 9h da manhã, contamos três espectadores na platéia: o cantor Chico César, uma socialite que chegou com motorista, e um bêbado que saiu sem entender nada", diz Cabral, no 6º andar de um prédio que já foi apart-hotel de travestis e hoje abriga duas salas do grupo, com vista para a praça Franklin Roosevelt.

Quando Cabral e o diretor Rodolfo García Vázquez, 43, chegaram na praça Roosevelt, há cinco anos, a região era ponto de tráfico, de prostituição e vivia às escuras por causa do quebra-quebra de lâmpadas provocado pelos traficantes.

"Está vendo esse bueiro aqui?", aponta Cabral para uma espécie de esgoto diante do Espaço dos Satyros, onde atualmente estão em cartaz 16 espetáculos (às vezes são apresentados até cinco por noite), de domingo a domingo. "Era onde os traficantes guardavam os papelotes de crack e cocaína. E sabe o que fizemos para negociar nossa permanência na praça? Encontramos outro bueiro do outro lado da praça e sugerimos que mudassem de lado."

Às 17 h, chega à sede d'Os Satyros Phedra D. Córdoba. Considerada por Cabral e Vázquez a estrela do grupo, Phedra é na verdade Filipe, um travesti cubano de 67 anos que chegou ao Brasil nos anos 50, trabalhou no teatro de revista de Walter Pinto e ficou amigo de artistas como Consuelo Leandro e Costinha. Phedra cruza as pernas, acende um cigarro: "Detesto ser chamada de diva". Até ser escalada como atriz pelos Satyros, Phedra se dividia entre shows em restaurantes e, eventualmente, era "cortesã". "Renasci como uma fênix", diz. Hoje Phedra ganha salário, como boa parte dos 24 empregados do grupo. A remuneração de atores e técnicos - um deles, ex-assaltante que virou iluminador- vai deR$ 400 a R$ 2.200 mensais, com participação na bilheteria.

Além da renda que vem do público, o grupo tem apoio da Prefeitura de SP através do Programa de Fomento ao Teatro. Neste ano, já recebeu R$ 120 mil.

Cabral, que mora nos arredores, dá números para mostrar que a movimentação em torno d'Os Satyros responde por uma parte da recuperação da auto-estima da região. "Quando compramos a sala do Satyros ela valia R$ 25 mil. Já está avaliada em R$ 60 mil", diz. Cabral caminha pela praça. Ele passa pelas três floriculturas e pelo supermercado instalados no primeiro nível da Roosevelt, sobe uma rampa e chega ao chamado "Pentágono", uma praça com pouco verde e três postes de iluminação, freqüentada por adolescentes. A cada trecho é abordado por moradores, donos de estabelecimentos comerciais e travestis com sacolas de compras.

Um dos moradores de um quitinete na região é o escritor Marcelo Mirisola, 39, seis livros publicados, que chegou a participar como ator da maratona teatral da semana passada. Mirisola cumprimenta Cabral que, metros adiante, recebe elogios do comerciante Esdras Vassalo, 72. "Os Satyros trouxeram mais gente para cá. Antes aqui era um deserto e até gente morta encontrávamos na praça", diz ele, morador da Roosevelt e dono do bar Papo, Pinga e Petisco, "no mesmo local onde Elis Regina fez o primeiro show em SP."

Cabral volta ao Espaço dos Satyros porque é dia de balanço do evento "Satyrianos" e a equipe estará esperando por ele. Reencontra Vázquez, Phedra e o restante do elenco, dentre eles o ex-crítico de teatro Alberto Guzik. "Acho que a cena de sexo explícito não foi legal. Foram só quatro minutos e os atores pornôs ainda queriam fazer 69, frango assado", diz um dos atores. "O problema é que a peça foi exibida muito tarde, às 6h. Poderia ser mais cedo, umas 3h da madrugada. E a gente se divertiu mais que o público", completa Guzik. Gargalhadas.

Vázquez começa a falar do próximo projeto. Quer montar "120 Dias de Sodoma", obra de Marquês de Sade que foi filmada por Pier Paolo Pasolini e causou polêmica quando exibido. Na versão d'Os Satyros, os libertinos da peça serão deputados e senadores "legitimamente eleitos pelo povo brasileiro". "O castelo será em Brasília, e os adolescentes abusados serão o povo brasileiro submisso e descaracterizado", diz Vázquez, que está escalando o elenco. "Precisamos de bons atores que topem fazer cenas de escatologia, espancamento e estupro." A estréia será em março de 2006.
@ - bergamo@folhasp.com.br

COM JOÃO LUIZ VIEIRA E DANIEL BERGAMASCO


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