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Crítica/teatro/"Os Bandidos"
Zé Celso articula "surrealidade" brasileira e insegurança mundial
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O mais novo espetáculo
do Teatro Oficina, "Os
Bandidos", não é recomendável para quem está acostumado às facilidades de um
teatro inofensivo e brejeiro.
Mas, seria uma utopia desejável que uma multidão o assistisse e o compartilhasse como
experiência inesquecível. A duração de cinco horas e pouco,
mais dois intervalos, propõe
uma imersão áudio-táctil e visual que requer entrega.
"Os Bandidos" é uma realização extraordinária porque
atualiza um texto inaugural do
romantismo alemão de uma
forma que nenhum europeu teria sido capaz de fazê-lo. A
adaptação do dramaturgo e encenador José Celso Martinez
Corrêa consegue ser, ao mesmo
tempo, fiel e transformadora,
servindo-se da trama original a
seu favor e de sua poética.
A situação dramática opõe
dois irmãos na luta pelo amor e
herança de um pai morto-vivo,
dono de uma corporação televisiva. Operando com a metáfora
dos hemisférios planetários
-norte e sul-, cerebrais -direito e esquerdo- e míticos -o
exu de duas cabeças que traz
em si Apolo e Dionísio-, a encenação não só valoriza em cada um dos irmãos suas dialéticas internas, como opõe Zé Celso e Silvio Santos como personagens. Kosmos, o irmão maquiavélico associado ao empresário, aparece em conflito com
o irmão Damien, "ex-mocinho
e futuro bandido" que durante
a saga, já em seu duplo, Damião,
se disfarçará de Zé Celso.
A estratégia teatral revela a
astúcia política do encenador,
mas expõe em carne viva seu
próprio quixotismo, o "ardor
irresistível" de uma idéia fixa.
Adaptação
No prefácio da primeira edição de "Die Raüber" (Os Bandidos), em 1872, Schiller descreveu-a como uma "história dramática", consciente de seu caráter episódico e da extensão
dos acontecimentos, própria ao
romance. Marco do movimento "Sturm und Drang" (tempestade e ímpeto), era natural que
o seu modelo não fosse a tragédia francesa, com ações concentradas em poucos dias, mas
a elisabetana, de Shakespeare e
seus dramas históricos, cujas
tramas se expandem em anos e
têm caráter tragicômico.
Zé Celso compreendeu a natureza do texto e o adaptou na
perspectiva da telenovela brasileira, na qual registros do melodrama e do cômico se equilibram. O caráter de narrativa
que se esparrama em episódios,
permite-lhe encampar temas
da história do Oficina e passeios por outras peças de Shakespeare e de Schiller.
Essas fugas exasperam o público, mas permitem que a forma espetacular se aproprie criticamente dos procedimentos
da telenovela.
Há destaques inevitáveis. A
pista do teatro virou tela, carpete branco a refletir em toda
sua amplitude as projeções da
densa trilha visual de Elaine
César. Com a utilização sem
precedentes de imagens projetadas, Zé Celso serve-se de técnicas cinematográficas e televisivas -close-up, planos seqüências- para construir a
narrativa. A banda "Strume
und Mangue", com direção musical de Guilherme Calzavara e
Otávio Ortega, pontua minuciosa todas as cenas, criando
uma música de cinema. A direção de arte de Cris Cortílio é
primorosa e arma bem o "palco
italiano" numa das extremidades da pista. Os figurinos de David Schumaker e Sônia Ushyiama chegam a ser brilhantes no
caso das roupas de Ariadne
Brazilha e Amália Ariadne.
No desempenho dos atores,
que se entregam corajosamente à encenação, sobressaem o
vilão Kosmos Von Heilig, de
Auri Porto, e a heroína Ariadne
Brazilha, de Sylvia Prado, ambos realizando seu melhor trabalho no Oficina.
Crise do Estado
Quando Hélio Oiticica, em
1968 cunhou a frase "seja marginal, seja herói", demarcava-se
um flerte da arte brasileira com
o banditismo. Quarenta anos
depois, misturando diversos
canais, Zé Celso contrapõe ao
olhar romântico a crise de um
Estado que perdeu o controle e
se vê a deriva diante das ações
do narcotráfico.
Do ponto de vista do Bexiga,
ele articula a "surrealidade"
brasileira e a insegurança mundial. É um discurso bastante
pessoal que comporta idiossincrasias e frivolidades. Mas é a
voz de um autor, como poucos
hoje no mundo, com muito a dizer e com muita imaginação para dizê-lo.
OS BANDIDOS
Quando: sex., às 20h; sáb. e dom., às
18h; até 21/12
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520,
tel. 0/xx/11/ 3104-0678)
Quanto: R$ 30
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: ótimo
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