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Mostra faz raio-X da cultura do YouTube
Exposição no MAM com 20 artistas avalia o papel da reencenação na arte
Artistas, como Barbara Visser, Sara Ramo, Rodrigo Matheus e Tetine, relêem em vídeos clássicos da música e do cinema
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem sobe no palco é Deize
Tigrona, mas a performance
não é dela. Faz quatro anos que
o artista Giorgio Ronna agencia
os shows da funkeira carioca,
"operação invisível" que ele encara como um desdobramento
de sua obra. É ela no palco e ele
por trás, reencenando escondido o papel de manager.
"Percebi que conseguia colocar a Deize em lugares onde ela
devia estar, mas que ainda não
ocupava", lembra Ronna. "É
um deslocamento: eu imaginava sempre dois de mim, quem
organiza e o artista por trás."
Na mostra que o Museu de
Arte Moderna de SP abre hoje,
Ronna volta sem Deize e reencarna, fora de cena, o papel de
John Cassavetes (1929-89).
Ele tomou imagens de ensaio
para filme do cineasta norte-americano, nos extras de um
DVD, como base para uma série
de fotografias que mostra em
vídeo. Os atores do cover são
amigos de Ronna, determinados a encenar "semelhanças e
profanações" do original, seguindo os passos ditados pelo
artista que não aparece.
É essa mistura de fascínio e
deboche que conduz as obras
de "Cover", exposição com 20
artistas, entre eles Sara Ramo,
Laura Lima e o coletivo assume
vivid astro focus, que tentam
avaliar o peso da repetição e da
reencenação na arte contemporânea. "Os artistas usam o
cover como ferramenta, não
como gênero", afirma o curador Fernando Oliva. "É um
diagnóstico contemporâneo de
uma situação que não é nova."
Numa operação que lembra
Ronna torcendo por Deize Tigrona nos bastidores, a artista
holandesa Barbara Visser, que
esteve na última Bienal de São
Paulo, constrói uma ficção em
cima da própria presença. Seu
vídeo mostra convidados que
esperam ver uma palestra com
ela, mas quem está no palco é
uma atriz que diz ser a artista e
responde às perguntas do público com frases sopradas por
Visser num ponto eletrônico.
"Ela reencena a figura de artista, responde às pessoas no
corpo dessa atriz", descreve
Oliva. "É um jogo de espelhos."
É também a imagem multiplicada e travestida. Dora Longo Bahia, que abandona a própria autoria assinando com o
pseudônimo Phillippe Ledoux,
faz no vídeo "Novela Vaga" um
pastiche da nouvelle vague: ela
e seus amigos, em cena, falam
um francês postiço, vestem perucas e óculos escuros e levam
ao limite todos os clichês.
Na onda da repetição, não é
essa a primeira vez que a obra é
apresentada. O vídeo de Longo
Bahia, aqui Ledoux, foi visto
mais de 2.000 vezes na internet. "O YouTube promoveu
uma fissura definitiva na imagem, mudou a relação com ela
no mundo contemporâneo",
diz Oliva. "Ele permite a repetição e assume isso como recurso, já não existe distinção entre
o original e sua repetição."
"Bedroom melancholia"
Em outro vídeo que pode virar "clássico" do YouTube,
Eliete Mejorado e Bruno Verner -a dupla Tetine- misturam "Vaca Profana", na voz de
Gal Costa, com a imagem de Pipilotti Rist em seu vídeo "I'm
Not the Girl Who Misses
Much" (1986), uma referência
feminista à música dos Beatles
"Happiness Is a Warm Gun".
Esse improviso solitário,
triste e desavergonhado diante
da câmera, em que fãs repetem
os versos e passos de seus ídolos no próprio quarto, acabou
resumido num termo que parece dizer tudo sobre a era YouTube: "bedroom melancholia".
Se na avalanche de imagens já
não é possível fixar o original,
resta só o cover e a desconfiança entre quatro paredes, que
podem ser vistos à exaustão.
Numa série de fotografias de
coqueiros lambidas pela brisa
de um ventilador, cover barato
dos trópicos, Rodrigo Matheus
traz essa "melancolia do quarto" para a sala expositiva e dá
peso à fragilidade da repetição.
Talvez esteja aí a mistura de
fascínio e deboche que levou o
funk de Tigrona ao mundo cult.
COVER
Quando: abertura hoje, às 20h (convidados); ter. a dom., 10h às 18h;
até 21/12
Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300); livre
Quanto: R$ 5,50
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