São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008

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Mostra faz raio-X da cultura do YouTube

Exposição no MAM com 20 artistas avalia o papel da reencenação na arte

Artistas, como Barbara Visser, Sara Ramo, Rodrigo Matheus e Tetine, relêem em vídeos clássicos da música e do cinema


SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem sobe no palco é Deize Tigrona, mas a performance não é dela. Faz quatro anos que o artista Giorgio Ronna agencia os shows da funkeira carioca, "operação invisível" que ele encara como um desdobramento de sua obra. É ela no palco e ele por trás, reencenando escondido o papel de manager.
"Percebi que conseguia colocar a Deize em lugares onde ela devia estar, mas que ainda não ocupava", lembra Ronna. "É um deslocamento: eu imaginava sempre dois de mim, quem organiza e o artista por trás." Na mostra que o Museu de Arte Moderna de SP abre hoje, Ronna volta sem Deize e reencarna, fora de cena, o papel de John Cassavetes (1929-89).
Ele tomou imagens de ensaio para filme do cineasta norte-americano, nos extras de um DVD, como base para uma série de fotografias que mostra em vídeo. Os atores do cover são amigos de Ronna, determinados a encenar "semelhanças e profanações" do original, seguindo os passos ditados pelo artista que não aparece.
É essa mistura de fascínio e deboche que conduz as obras de "Cover", exposição com 20 artistas, entre eles Sara Ramo, Laura Lima e o coletivo assume vivid astro focus, que tentam avaliar o peso da repetição e da reencenação na arte contemporânea. "Os artistas usam o cover como ferramenta, não como gênero", afirma o curador Fernando Oliva. "É um diagnóstico contemporâneo de uma situação que não é nova."
Numa operação que lembra Ronna torcendo por Deize Tigrona nos bastidores, a artista holandesa Barbara Visser, que esteve na última Bienal de São Paulo, constrói uma ficção em cima da própria presença. Seu vídeo mostra convidados que esperam ver uma palestra com ela, mas quem está no palco é uma atriz que diz ser a artista e responde às perguntas do público com frases sopradas por Visser num ponto eletrônico.
"Ela reencena a figura de artista, responde às pessoas no corpo dessa atriz", descreve Oliva. "É um jogo de espelhos."
É também a imagem multiplicada e travestida. Dora Longo Bahia, que abandona a própria autoria assinando com o pseudônimo Phillippe Ledoux, faz no vídeo "Novela Vaga" um pastiche da nouvelle vague: ela e seus amigos, em cena, falam um francês postiço, vestem perucas e óculos escuros e levam ao limite todos os clichês.
Na onda da repetição, não é essa a primeira vez que a obra é apresentada. O vídeo de Longo Bahia, aqui Ledoux, foi visto mais de 2.000 vezes na internet. "O YouTube promoveu uma fissura definitiva na imagem, mudou a relação com ela no mundo contemporâneo", diz Oliva. "Ele permite a repetição e assume isso como recurso, já não existe distinção entre o original e sua repetição."

"Bedroom melancholia"
Em outro vídeo que pode virar "clássico" do YouTube, Eliete Mejorado e Bruno Verner -a dupla Tetine- misturam "Vaca Profana", na voz de Gal Costa, com a imagem de Pipilotti Rist em seu vídeo "I'm Not the Girl Who Misses Much" (1986), uma referência feminista à música dos Beatles "Happiness Is a Warm Gun".
Esse improviso solitário, triste e desavergonhado diante da câmera, em que fãs repetem os versos e passos de seus ídolos no próprio quarto, acabou resumido num termo que parece dizer tudo sobre a era YouTube: "bedroom melancholia". Se na avalanche de imagens já não é possível fixar o original, resta só o cover e a desconfiança entre quatro paredes, que podem ser vistos à exaustão.
Numa série de fotografias de coqueiros lambidas pela brisa de um ventilador, cover barato dos trópicos, Rodrigo Matheus traz essa "melancolia do quarto" para a sala expositiva e dá peso à fragilidade da repetição. Talvez esteja aí a mistura de fascínio e deboche que levou o funk de Tigrona ao mundo cult.


COVER
Quando: abertura hoje, às 20h (convidados); ter. a dom., 10h às 18h; até 21/12
Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300); livre
Quanto: R$ 5,50



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