|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"BERKELEY EM BELLAGIO"
Noll parece ansioso por comunicar
MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante duas décadas, o escritor gaúcho João Gilberto
Noll tem apresentado seu caso à
literatura brasileira: o de um cotidiano opressivo, situações bélicas
de qualquer ordem e uma sexualidade obsessiva.
Em "Berkeley em Bellagio", seu
mais novo romance, o mundo
continua como elemento de desordem, mas, agora, o tom é explicitamente pessoal. O desacordo com o cotidiano é uma fatalidade para o autor, que é também
um personagem.
"Berkeley em Bellagio" mostra
o que pensa -e, sobretudo, sente- um escritor durante duas estadas fora do país: uma nos EUA,
outra na Itália, ocupando o lugar
de hóspede em uma fundação
norte-americana.
Surge então espaço para reflexões sobre a língua (a ausência da
conhecida, familiar, a estranheza
de outra, nova), a saudade como
patomania, as incertezas quanto
ao futuro, os novos amores e as
paixões em suspenso. Enfim, uma
dose quase fatal de solidão.
Noll, seguindo as regras internas de sua obra, fornece ao leitor
mais pistas do que propriamente
fatos, substituindo qualquer possibilidade de cronologia por uma
avalanche de elipses.
Na ficção criada por ele, o tempo não passa; se divide e se sobrepõe em camadas que seus personagens atravessam -partindo,
depois retornando, refazendo o
caminho na direção contrária-
com extrema facilidade.
Esse é, e tem sido, o melhor de
Noll. Seu desejo em produzir uma
prosa vibrante, sua vontade em se
afastar de um certo conformismo
formal em suas criações. Há coragem e perigo nos livros produzidos por ele, há ambição.
"Berkeley em Bellagio" segue
esse mesmo ritmo, mas sua máquina ficcional está com toda a
atenção voltada apenas para João
Gilberto Noll. Seu romance parece se articular em torno de duas
possibilidades -ou riscos: o
quanto pode esconder, o quanto
ele pode revelar de si mesmo?
Noll procura o jogo, a exposição
e a fuga, e "Berkeley em Bellagio"
é um livro no qual tudo se mistura, criando um sistema no qual
nada poderá ser mostrado aos
olhos sem um disfarce, sem um
recuo (emocional, racional, neurótico), e isso contamina cada página; tanto o autor quanto seu
narrador parecem tomados, ansiosos em comunicar, gritar algo,
mas o que poderia ser o objeto
dessa angústia, exatamente?
João Gilberto Noll corre o risco
de, mesmo aceitando o fato de
não ser possível, em algum momento, dar conta de sua aspiração. Mas ele continua tentando,
como mostra seu "Berkeley em
Bellagio", e é essa vivacidade que
mantém seu leitor atento.
Berkeley em Bellagio
Autor: João Gilberto Noll
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 19,90 (103 págs.)
Texto Anterior: "A Maldição do Macho": Oliveira narra a cegueira do desejo masculino Próximo Texto: "Húmus": Bullar descreve seu zoológico fantástico Índice
|