São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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"BERKELEY EM BELLAGIO"

Noll parece ansioso por comunicar

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante duas décadas, o escritor gaúcho João Gilberto Noll tem apresentado seu caso à literatura brasileira: o de um cotidiano opressivo, situações bélicas de qualquer ordem e uma sexualidade obsessiva.
Em "Berkeley em Bellagio", seu mais novo romance, o mundo continua como elemento de desordem, mas, agora, o tom é explicitamente pessoal. O desacordo com o cotidiano é uma fatalidade para o autor, que é também um personagem.
"Berkeley em Bellagio" mostra o que pensa -e, sobretudo, sente- um escritor durante duas estadas fora do país: uma nos EUA, outra na Itália, ocupando o lugar de hóspede em uma fundação norte-americana.
Surge então espaço para reflexões sobre a língua (a ausência da conhecida, familiar, a estranheza de outra, nova), a saudade como patomania, as incertezas quanto ao futuro, os novos amores e as paixões em suspenso. Enfim, uma dose quase fatal de solidão.
Noll, seguindo as regras internas de sua obra, fornece ao leitor mais pistas do que propriamente fatos, substituindo qualquer possibilidade de cronologia por uma avalanche de elipses.
Na ficção criada por ele, o tempo não passa; se divide e se sobrepõe em camadas que seus personagens atravessam -partindo, depois retornando, refazendo o caminho na direção contrária- com extrema facilidade.
Esse é, e tem sido, o melhor de Noll. Seu desejo em produzir uma prosa vibrante, sua vontade em se afastar de um certo conformismo formal em suas criações. Há coragem e perigo nos livros produzidos por ele, há ambição.
"Berkeley em Bellagio" segue esse mesmo ritmo, mas sua máquina ficcional está com toda a atenção voltada apenas para João Gilberto Noll. Seu romance parece se articular em torno de duas possibilidades -ou riscos: o quanto pode esconder, o quanto ele pode revelar de si mesmo?
Noll procura o jogo, a exposição e a fuga, e "Berkeley em Bellagio" é um livro no qual tudo se mistura, criando um sistema no qual nada poderá ser mostrado aos olhos sem um disfarce, sem um recuo (emocional, racional, neurótico), e isso contamina cada página; tanto o autor quanto seu narrador parecem tomados, ansiosos em comunicar, gritar algo, mas o que poderia ser o objeto dessa angústia, exatamente?
João Gilberto Noll corre o risco de, mesmo aceitando o fato de não ser possível, em algum momento, dar conta de sua aspiração. Mas ele continua tentando, como mostra seu "Berkeley em Bellagio", e é essa vivacidade que mantém seu leitor atento.

Berkeley em Bellagio


  
Autor: João Gilberto Noll
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 19,90 (103 págs.)




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