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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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Ao se sentir ultrapassado no tempo pela máquina de calcular, o montador João Paulo Carvalho acelerou a linguagem da TV

O homem que sabia TABUADA

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O homem de TV João Paulo Carvalho, 62, percebeu que o ritmo do mundo havia mudado em 1985, ao ouvir de seu filho de 11 anos a pergunta: "Que tabuada?".
À porta da escola, o garoto havia pedido ao pai que comprasse pilhas para sua calculadora. Carvalho sugeriu que a temporária falta da maquininha fosse compensada com o uso da tabuada. E descobriu que seu filho desconhecia a decoreba mental das operações matemáticas.
O episódio serviu de lição ao pai. "O tempo que eu perdi decorando a tabuada, ele não perdeu. Ele achava o resultado muito mais rápido do que eu. Isso me levou à experiência de cortar os tempos mortos nas cenas filmadas", diz.
Naquele ano, na qualidade de editor da TV Globo, onde trabalhava desde 1965, Carvalho iniciava mais uma parceria com o diretor Guel Arraes, sob o nome de "Armação Ilimitada". Empolgado com a idéia de subtrair os tempos mortos, impôs ao seriado um formato que eliminava toda ação dispensável à compreensão da trama. "O cara abria a porta e, na cena seguinte, já estava onde queria chegar. Não mostrávamos o ator caminhando", recorda.
A aceleração do ritmo de "Armação Ilimitada" tornou-se um ponto de inflexão na linguagem televisiva e na carreira de Carvalho na TV, iniciada aos 22 anos de idade, quando, num estalo, abandonou os planos de formar-se em direito e jogou para o alto o emprego de vendedor de cotas de um shopping em Caxias (RJ).
Cinéfilo praticante -chegou a assistir 321 filmes num único ano- Carvalho aceitara o convite de um amigo para conhecer as instalações da TV Tupi. Quando a porta do estúdio da emissora se abriu diante dele, teve a sensação de que sua vida pertencia àquele universo. Empregou-se como figurante, escalou o primeiro degrau na produção da TV Rio e foi chamado pela Globo.
Acabou sendo escalado como "uma espécie de assessor do assessor" da novelista Glória Magadan. A pouca atividade o fazia sentir-se "uma inutilidade sentada numa mesa", até que o editor da novela "Sangue e Areia" (1967/68) adoeceu, e Carvalho foi deslocado para a função.
Saúde restabelecida, o colega voltou à atividade, mas confessou a Carvalho seu desapreço por ser editor. "Odeio isso." O antigo ocupante do posto não o queria de volta, e Carvalho não queria entregá-lo. A Globo estava satisfeita com o trabalho de edição do "assessor do assessor".
Foi o que bastou para que a carreira de Carvalho na emissora atravessasse novelas ("Irmãos Coragem", "Selva de Pedra", "Dancin" Days"), seriados ("Malu Mulher", "Plantão de Polícia"), musicais ("Chico & Caetano"), até chegar à pequena revolução de "Armação Ilimitada", que se prolongou por quase quatro anos no ar, e seu sucedâneo "TV Pirata".
Ao final desse tempo, Carvalho pensou que, talvez, aquela velocidade toda houvesse caminhado para um modo "facilitado" de seduzir o espectador, já que o ritmo intenso não deixava espaço para "muitas análises".
Sentiu-se então atraído a buscar "o contrário da velocidade, para ver o quanto se pode seduzir o espectador com uma coisa mais amena, mais suave".
Os novos desafios na carreira significaram o rompimento do "vínculo empregatício" com a Globo e a aproximação com o cinema do documentarista João Moreira Salles, com quem fez o filme para TV "América" (1989).
Como todas as opiniões de Carvalho "podem durar não mais do que 15 minutos, já que apenas time de futebol a gente mantém para a vida toda", ele passou da montagem de documentários "aos filmes da Xuxa, que têm uma série de videoclipes e uma condução ritmada, juvenil".
Era o início de outra parceria, desta vez com o produtor cinematográfico Diler Trindade, um adepto do cinema de resultados, aquele feito em ritmo industrial e que almeja o grande público.
Somente neste ano, Carvalho já editou três títulos da Diler & Associados, todos dirigidos por Moacyr Góes: os já estreados "Dom" e "Maria, Mãe do Filho de Deus" e o inédito "Abracadabra", estrelado pela apresentadora Xuxa Meneghel.
Entre um e outro, montou "Benjamim", de Monique Gardenberg. Atualmente, edita "Sonho de Verão", com Angélica e Luciano Huck à frente do elenco.



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