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análise
Reedição permite releitura de visão inovadora
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os livros possuem seu
próprio destino
-promete o conhecido provérbio. Mas talvez
não seja impertinente acrescentar que poucos têm a fortuna dos melhores vinhos.
Nesse caso, o leitor que consultar a reedição, revista, de
"A Formação da Literatura
Brasileira (Momentos Decisivos)" saberá que 1959, momento de sua primeira edição, foi o ano de uma excepcional safra.
Vale recordar, portanto,
alguns pontos principais de
sua história literária.
Em primeiro lugar, destaca-se o reconhecimento da
relação intrínseca com a literatura portuguesa, ou seja,
com a cultura ocidental
-afirmação derivada da dialética entre tendências universalistas e particularistas.
Por isso mesmo, sua escrita
não é teleológica: o caráter
"nacional" da literatura não
é a "causa", porém o "resultado" de um processo histórico
multissecular.
Trata-se de uma contribuição realmente original
-e não apenas no cenário
brasileiro. Aliás, pelo contrário, essa sutileza passou despercebida, sobretudo pelos
teóricos que produziram comentários críticos sofisticados tendo lido apenas a "Introdução" do volume.
Embora malandro, tal método tem o mérito de chamar
atenção para uma das novidades mais importantes da
história literária de Antonio
Candido, ou seja, seu emprego particular do conceito de
sistema. Esse conceito estimulou uma narrativa não teleológica da formação da literatura nacional.
De um lado, o conceito de
sistema dificultou o tradicional uso ideológico da história
literária. Em lugar da simples sucessão cronológica de
um repertório bibliográfico,
o conceito de sistema demanda o estudo de momentos assimétricos. Candido
oferece uma reflexão que
não se compromete com um
"resultado" determinado,
conhecido a posteriori, porém se dedica à reconstrução
do "processo" histórico.
De outro lado, o conceito
de sistema valoriza a relação
dos elementos em jogo. No
caso, o sistema literário supõe o exame da dinâmica
criada entre os vértices do
triângulo: autor, obra e público. Portanto, a história literária se transforma no estudo do processo cujo resultado final não pode ser determinado a priori, mas exige o
paciente trabalho de reconstrução dos momentos decisivos da formação -e, vale
lembrar, a "formação" poderia não ter ocorrido ou ter conhecido concretizações muito distintas.
Na ordem sistêmica, não
há resultados "necessários",
mas condições possíveis, circunstâncias favoráveis ou
obstáculos definitivos.
Daí destaca-se outra contribuição de Antonio Candido. Em seu livro, o crítico somente cita obras efetivamente lidas. Perguntemos
em voz baixa: não é verdade
que o exercício mais comum
das histórias literárias seja a
menção compulsória de nomes de autores e títulos de
obra sem um estudo cuidadoso? A história literária
tende a subordinar as obras a
uma concepção abrangente,
tornando "ociosa" a leitura
cerrada dos textos.
O valor da "Formação" só
pode ser avaliado se o leitor
discutir as análises de momentos específicos e de autores determinados.
Exclusões
Nesse horizonte, e sob o
signo da distinção conceitual
entre "manifestações literárias" e "literatura propriamente dita", as exclusões
presentes na "Formação" adquirem novo vigor. Candido
explicita o caráter narrativo
de toda história, pois dramatiza suas opções, assumindo
o peso de suas exclusões.
Ademais, o propósito de
investigar a constituição do
sistema literário brasileiro
justifica metodologicamente
o limite imposto à narrativa
por meio do arco temporal
privilegiado (mas não exclusivo): arcadismo e romantismo. Na visão do autor, os
dois momentos decisivos na
articulação entre autor, obra
e público. E, para retornarmos à dialética do universal e
do particular, a importância
do arcadismo também se revela no diálogo estabelecido
com a tradição da cultura
ocidental.
Sem dúvida, podemos discordar de sua opção; com toda certeza, metodologias distintas e mesmo contrárias
são bem-vindas. A reedição
da "Formação" representa
uma nova oportunidade de
(re)ler uma das histórias literárias mais inovadoras do século 20.
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre
outros, "Literatura e Cordialidade" (Eduerj)
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