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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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TELA VENDADA

Pouca infraestrutura e conservadorismo do canal estatal são entraves para produções independentes no Irã

Falta de equipamentos e TV restringem alternativos

Divulgação
A atriz Taraneh Alidousti, em cena do filme "Beautiful City"


ENVIADA ESPECIAL A TEERÃ

Outro dos independentes em ação no Irã é Aghar Farhadi, que está agora em fase de produção de seu segundo filme, "Beautiful City". O longa aborda uma das mais difíceis questões na transformação contemporânea da sociedade islâmica: o papel da mulher.
A atriz Taraneh Alidousti (do premiado "I'm Taraneh, 15", de Rassul Sadr-Ameli) vive o papel de uma divorciada, tema recorrente no primeiro longa-metragem de Farhadi, o premiado "Dancing in the Dust".
Utilizando equipamentos antigos, pertencentes à governamental Fundação Farabi Cinema (única a locar câmeras 35 mm no país), a produção teve que reservá-los meses antes da filmagem, já que no Irã só existem equipamentos disponíveis para a realização de dez filmes simultaneamente.
Rodado em Teerã e na cidade sagrada de Qom, no Irã, as condições de trabalho nos três dias em que a reportagem da Folha esteve no set não foram das mais confortáveis: 24 pessoas em um micro-ônibus, entre equipe técnica, figurantes e atores. O diretor diz não estar preocupado se obterá ou não a permissão de exibição após as filmagens: "Conhecemos as leis islâmicas não escritas e sabemos por onde temos que transitar e o que temos que evitar".
Em meio ao Ramadã (mês sagrado islâmico), uma van da companhia de produção Neshene Ltda., com os vidros cobertos de jornal, oferece almoço para a equipe. Jejuar? Apenas o produtor e o diretor. Recitavam trechos do Alcorão enquanto seguravam o tasbi (espécie de terço do islã).

Obstáculos
Para produzir um filme no Irã é necessário submeter o roteiro para o Ministério da Cultura, especificamente para a Secretaria Geral da Observação e Avaliação, que emite todas as permissões de produção e de exibição. Se o filme obtém a permissão de produção significa que ele está qualificado para obter certos privilégios na Fundação Farabi Cinema, como, por exemplo, menores taxas na locação de equipamentos técnicos.
São apresentados por ano uma média de 600 roteiros para obtenção de financiamento na FFC. Desses, cerca de 200 conseguem permissão de produção e apenas 80 deles obtém financiamento. Os produtores que têm a permissão de produção recebem documentos com a quantia especificada para o filme, que varia de acordo com o projeto.
Se o Ministério da Cultura considerar o projeto adequado, isto é, seguidor da orientação islâmica, poderá ser dada uma quantidade máxima de 600 milhões de rials (cerca de R$ 212 mil), a fundo perdido. Caso contrário, obterá o mínimo de 300 milhões de rials (aproximadamente R$ 106 mil) ou nenhum financiamento.
Produz-se no Irã uma média de 70 longas por ano, o que é um bom número se comparado com outros países. 80% dos filmes são comerciais e 20%, "filmes de arte". Apenas 10% da produção iraniana viaja pelo mundo, especialmente no circuito de festivais.
Um dos problemas da indústria cinematográfica hoje no Irã é o pequeno número de salas de exibição. A população de 68 milhões de habitantes dispõe apenas de 300 salas e nenhum sistema de cotas. Nos últimos 25 anos nenhuma nova sala foi construída.
Além dessas dificuldades, há a questão referente à televisão. Alinhada com os conservadores, a TV iraniana (IRIB) não aceita as políticas reformistas do Ministério da Cultura, e raramente são feitos acordos de compra de filmes iranianos, principalmente dos independentes, já que muitas envolvem questões sociais.
(ALESSANDRA MELEIRO)


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