São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

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CRÍTICA

Catequismo pontua o livro e o filme

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

"As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa" é Hollywood juntando a fome, a vontade de comer e a criança esfaimada. A fome é a carência absoluta de roteiros originais: mais da metade dos dez filmes com maior bilheteria de 2005 até agora são seqüências, refilmagens, adaptações de livros, quadrinhos ou videogames. A vontade de comer é o imenso público disposto a consumir produtos já conhecidos, que ofereçam pouco risco, diversão segura e o efeito comparativo "é melhor/igual/ pior que o livro/original/etc.".
Já a criança esfaimada é problema deste filme. Depois de "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, o cinema mainstream acordou para a guinada à direita que a platéia religiosa norte-americana havia dado sob o George Bush pós-11 de Setembro. Era preciso um "Harry Potter" do bem, um "Senhor dos Anéis" não-laico. Sai da gaveta o britânico C.S. Lewis, que aliás foi colega de classe em Oxford de J.R.R. Tolkien, que o achava muito carola, segundo relatos da época de amigos dos dois -Lewis, de volta, achava Tolkien "complicado" demais, com seus atlas, suas terras e seus nomes.
"As Crônicas de Nárnia", em geral, nada mais são do que uma adaptação da Bíblia, mormente o "Novo Testamento", para crianças. Adaptação competente e imaginosa, com elementos novos, atraentes, mas com o livro sagrado como fonte inegável. Assim, o leão Aslan (Liam Neeson na voz original) é Jesus Cristo, a Feiticeira Branca é o anjo caído e assim por diante. Nenhum problema nem juízo de valor, fosse tudo feito às claras.
Não é. E diz o contrato social atual que devem ser catequizados somente os que escolhem ser, não os que são levados às escuras.
Dito isso, do ponto de vista estritamente cinematográfico, o diretor, Andrew Adamson, em atuação pendular depois dos idiossincráticos "Shrek 1" e "Shrek 2", faz um trabalho competente, ajudado pelo tripé cenário-figurino-efeitos especiais, impecável. O elenco infantil também não decepciona, mesmo para quem, como este crítico, acredita que a legislação trabalhista brasileira devesse ser aplicada também a Hollywood: criança com menos de 14 anos não trabalha, estuda. Já o elenco adulto é liderado pela excelente Tilda Swilton (a feiticeira) e o versátil Jim Broadbent (como o professor amalucado, dono da casa em que fica o armário).
Um detalhe irrita, pelo menos na cópia assistida pela Folha: a dublagem brasileira é feita seguindo os cânones do padrão Jardim Botânico de sotaque, ou seja, em carioquês. Assim, o espectador ouve meninos e meninas supostamente britânicos chiando mais que chaleira e dizendo "míssi", em vez de "miss"...


As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa
The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe
  
Direção: Andrew Adamson
Produção: EUA, 2005
Com: Tilda Swinton, Jim Broadbent, Georgie Henley, Skandar Keynes, William Moseley, Anna Popplewell e outros
Quando: a partir de hoje, nos cines HSBC Belas Artes, Bristol e circuito


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