São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 2006

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ANÁLISE

Alf fez cabeças para a bossa nova

ZUZA HOMEM DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Terá sido bom para Johnny Alf ser um ilustre precursor da bossa nova e não um de seus consagrados integrantes?
Na sua modéstia, eventualmente sem paralelo na música popular do país, ele não reivindica quaisquer direitos, afirmando constantemente que talvez tenha contribuído de alguma forma para o revolucionário movimento, como me confiou num depoimento em novembro de 68: "Cantando, João Gilberto já tinha uma divisão bem afastada do habitual e eu me sentia muito bem ao acompanhá-lo, principalmente harmonicamente. O que eu fizesse, não tinha problema. Dessa intimidade pode ter se dado alguma idéia".
Se, por um lado, a geração pós-bossa nova de Chico, Gil, Caetano, Edu, Milton e dezenas de outros, incluindo Roberto, deve a João Gilberto ter-lhe aberto o horizonte da música brasileira como razão para a vida artística, o próprio João, com Carlinhos, Menescal, Ronaldo, Donato, incluindo Tom, tiveram em Johnny Alf quem lhes mostrou um caminho por onde poderiam ritmar o samba com acentuações novas, aventurar por seqüências harmônicas mais surpreendentes, desvendar intervalos invulgares para as melodias e ainda, em menor escala, dar um tom mais leve às letras que em geral beiravam o desespero.
Johnny Alf foi o maior ídolo dos citados jovens da bossa nova quando tocava piano nos anos 54-55 no bar do Plaza no Rio de Janeiro, que eles freqüentavam como quem vai ouvir o pároco pregar. Basta comparar "Rapaz de Bem" (êmulo harmônico de "Desafinado"), "Nós e o Mar" e "Ilusão Atôa" com hits da época como "Café Soçaite". A dose do novo nas músicas de Johnny é cavalar. Atingiu em cheio as mentes musicais abertas à modernidade.
Em novembro de 55, Johnny Alf veio para São Paulo inaugurar o primeiro endereço do lendário bar Baiúca, depois foi para o Cave e a pregação não foi diferente. Atuava como um preconizador do futuro para a juventude, sedenta pela música que parecia seguir novos caminhos. Sem esforço, Johnny preparava suas cabeças para o que viria. Como veio de fato: a bossa nova. Quem a recebeu de braços abertos tinha passado obrigatoriamente por ele.
Assim é que, independentemente de ser um compositor de obras primas, como "Eu e a Brisa"; de ser um dos mais originais e fiéis "saloon singers" brasileiros, como foi Dick Farney e outros que a noite perpetuou, Johnny Alf estabeleceu, possivelmente sem perceber nitidamente, a ponte que trouxe a São Paulo a modernidade da música brasileira que nascia no Rio.
Será então suficiente qualifica-lo como um precursor?


Zuza Homem de Mello é musicólogo e crítico musical

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