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ERUDITO/CRÍTICA
Anne-Sophie Mutter grava o novo velho Mozart
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Anne-Sophie Mutter deu
seu primeiro concerto aos
nove anos, tocando o "Concerto
para Violino e Orquestra" de Mozart (1756-91). Estreou em disco
aos 13, tocando os "Concertos" nš
3 e nš 5 de Mozart, com a Filarmônica de Berlim, regida por Herbert von Karajan. Chegando agora aos 30 anos de carreira, e aproveitando a ocasião -o festejado
bicentenário de nascimento do
compositor, em 2006-, ela grava
a integral dos "Concertos", com a
London Philharmonic Orchestra
regida por ela mesma.
Esse é o primeiro de três projetos de Mutter no ano Mozart. Até
o final de janeiro sai um CD com
três "Trios" (K. 548, 542 e 502),
que ela toca com o marido, André
Previn (piano), e o "protegé" Daniel Müller-Schott (violoncelo). E
em agosto vem a integral das "Sonatas para Violino e Piano", com
Lambert Orkis, seu parceiro na
integral das "Sonatas" de Beethoven (lançada em 2000).
O som de Anne-Sophie: poderoso, direto, expressivo -qual a
palavra menos errada para generalizar o que é tão particular? Virou quase lugar-comum dizer que
ela tem mais regularidade do que
excepcionalidade. Mas fica difícil
aceitar essa opinião, quando se
ouve uma linha melódica como as
que ela toca no movimento lento
do "Concerto nš 5", ou em qualquer movimento da "Sinfonia
Concertante para Violino, Viola e
Orquestra", interpretada lado a
lado com Yuri Bashmet, para fechar o disco.
Exemplo do que ela faz numa linha lenta: a frase cresce na direção
da última nota, que ganha um "vibrato" especial. Até aí, nada de tão
diferente. O que distingue a violinista alemã é o fato de que, a caminho dessa última nota, eventuais notas longas recebem, cada
uma, um "vibrato" diferente, ou
mesmo, em alguns casos, "vibrato" nenhum, o que vira também
um tipo de efeito expressivo.
Já o que ela faz nas rápidas é toda uma enciclopédia de arcadas,
ataques e dinâmicas, onde o que é
pequeno e delicado chega a extremos de delicadeza e minúcia, assim como o que é grande e expansivo pode ficar enorme e dramático. Se variações dessa ordem nem
sempre são reconhecidas, deve
ser por conta da sensação constante de propulsão, ou confiança
-essa sim, transcendentalmente
regular.
Vale ressaltar que estamos muito longe, aqui, de qualquer tentativa de interpretação "autêntica"
da música de Mozart. Tanto a orquestra (comparada pela violinista-regente, na entrevista "pop" do
encarte, a um "automóvel Porsche -vibrante e cheio de juventude"), quanto a própria Mutter
fazem um Mozart que se aproxima muito mais do repertório gravado da primeira metade do século 20 do que do registro musicologicamente imaginado de fins do
século 18.
O efeito tem algo de curioso,
porque, nessa era de superauto-consciência estilística, tocar como
um Heifetz ou Oistrakh começa a
soar, também, como um tipo específico de autenticidade. Assim
como existe um Bach moderno
dos pianistas (a essa altura, vários
Bach), existe também um Mozart
"antigo" do século 20; e é esse Mozart que Mutter reinventa, a seu
modo, com um sentimento de
adequação que, no caso dela, já dá
para dizer que é obra de uma vida,
tanto quanto a vida de uma obra.
Mozart: Concertos para Violino
Artista: Anne-Sophie Mutter
Gravadora: Deutsche Grammophon
Quanto: R$ 60
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