São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

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Montagem faz retrato da melancolia contemporânea

"O Amor das Três Laranjas" usa como base texto de rival de Carlo Goldoni

Peça que estreia hoje no Itaú Cultural mostra príncipe tristonho enfeitiçado por fada; Bete Dorgam dirige

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

A farpa lançada por um dramaturgo italiano do século 18 em direção a um conterrâneo famoso que ele considerava por demais seduzido pela comédia francesa poderia ter tido o alcance restrito de uma piada interna.
Mas a peça "O Amor das Três Laranjas ou Análise Reflexiva do Conto "O Amor das Três Laranjas'", que Carlo Gozzi (1720-1806) rascunhou para satirizar o estilo de Carlo Goldoni (1707-1793), autor de "Arlequim, Servidor de Dois Patrões", fez um tremendo sucesso na época da estreia.
Sob a direção de Bete Dorgam, a Cia. Dramática e a Absurda Confraria retomam o canovaccio (roteiro básico de ações da commedia dell'arte, a partir do qual os atores criam improvisações) no "work in progress" "O Amor das Três Laranjas Ou KD VOCÊ?", que inicia hoje temporada no Itaú Cultural.
No esboço de Gozzi, inspirado em conto de Giambattista Basile, a melancolia de um jovem príncipe preocupa o pai, que alista uma equipe para fazê-lo rir. A empreitada não alcança sucesso. Gargalhadas só ecoam quando o tombo de uma fada revela suas roupas íntimas.
Só que aí a moça, melindrada, lança um feitiço sobre o nobre: correr o mundo atrás das tais laranjas do título, que abrigam princesas. A provocação de Gozzi é sutil: a maldição é proferida em versos extraídos da obra de Goldoni ou de métrica semelhante à usada por ele.

TRISTEZA SEM FIM
A releitura de agora dispensa a trama paralela sobre disputa de poder (o primeiro-ministro e a prima do príncipe querem tomar seu posto na sucessão) para se concentrar no retrato da melancolia, com tintas contemporâneas.
"A tristeza hoje parece ser ditada pelo nosso acesso maior à informação", diz a diretora. "Mas quase não se tem o direito de chorar. Há antidepressivos, anfetaminas, calmantes, livros de autoajuda, terapia. E quem sofre é problema, fardo."
É aí que entra em cena a figura do palhaço, não o histriônico, de extração circense, mas aquele encarado como figura inadequada, gauche. A máscara do clown e a relação desta com a arte contemporânea são linhas de estudo da companhia.
Nas andanças por florestas encantadas e metrópoles inóspitas, o príncipe terá alguma ideia de quem é a partir da relação com o outro: a identidade pela alteridade. E aprenderá a rir da pequena tragédia humana de todo dia. Pronto: está aí a indispensável moral da história.

O AMOR DAS TRÊS LARANJAS OU KD VOCÊ?

QUANDO estreia hoje; de qui. a dom., às 20h; até 20/2
ONDE Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/2168-1776)
QUANTO grátis (retirar o ingresso com meia hora de antecedência)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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