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Tradicional sebo Ornabi liqüida seu estoque
Em atividade há 62 anos, alfarrábio do português Luís Dias chegou a ter 365 mil livros; livreiro quer vender 15 mil títulos restantes
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Raros têm sido os fregueses", lamenta, ainda que com
bom humor, o livreiro Luís Oliveira Dias, 88, quando a reportagem pede que ele aponte algumas das preciosidades em
oferta no Ornabi, um dos mais
antigos sebos -ou alfarrábio,
como prefere chamar- em atividade em São Paulo, e que está
para fechar suas portas, após 62
anos de atividade ininterrupta.
"Seu" Luís quer liqüidar o estoque, que inclui dicionários, livros de política, sociologia, geografia, arte, literatura estrangeira e nacional, almanaques
etc. Tem obras raras e caras,
que passam de R$ 2.000. Mas
também tem pechinchas. Vai
começar promovendo estantes
inteiras, com livros a R$ 5 cada
um, baixando paulatinamente
até R$ 2 e R$ 1.
O começo
Seu Luís deixou Portugal em
agosto de 1939, escapando de
uma convocação para o Exército na Segunda Guerra, e começou sua experiência com livros
em São Paulo na Lusitana, livraria de um conterrâneo seu,
José Vieira Oliveira, na rua Riachuelo, no centro da cidade.
Em 1945, ele abriu sua primeira livraria, na rua Benjamin
Constant, 141, no Edifício das
Arcadas, com o nome de Ypiranga. "Em cerca de sete anos,
ela se transformou no maior sebo de São Paulo", lembra Luís,
que, em 1962, já com o nome
Ornabi, abreviação de Organização Nacional de Bibliotecas,
chegou a ocupar 12 salas da sobreloja, batizadas de "espaços"
pelo livreiro.
Havia, entre outros, o espaço
Platão (dedicado à filosofia),
Mário de Andrade (poesia), o
Euclides da Cunha (Brasil), o
Eclético, o Luís de Camões (que
ainda existe) e o Ruy Barbosa,
que abrigou até 8.000 volumes
de uma das especialidades da
casa, os livros jurídicos.
Pela sua loja, já passaram
clientes famosos como, entre
outros, o governador de São
Paulo Adhemar de Barros
(1901-1969), o deputado federal
e colunista da Folha Antonio
Delfim Netto, que Luís diz conhecer "desde que ainda usava
calças curtas".
Segundo Luís, o Ornabi já teve cerca de 365 mil volumes em
sua coleção, que ele formou garimpando bibliotecas de todo o
país. Uma de suas últimas compras, "para matar as saudades",
foi uma edição de 1920 da enciclopédia infanto-juvenil "Tesouro da Juventude", numa
edição prefaciada por Clóvis
Bevilacqua e adquirida no ano
passado.
Entre os livros mais raros
que ali passaram, Luís chegou a
ter uma Bíblia de 1558, que disse ter vendido quase de "mão
beijada" nos anos 1950. E recentemente teve uma oferta de
R$ 7.000 por uma compilação
de traduções de "Pretidão do
Amor", um poema do escritor
português Luís de Camões
(1524-1580), numa edição de
1893, com quase mil páginas.
15 mil livros à venda
Há cerca de três anos, o sebo
ficou restrito a três lojas. Seu
Luís dispensou os empregados
há poucos meses e quer agora
vender boa parte dos 15 mil livros restantes. A decisão tem
dois motivos: há seis anos sem
ir a Portugal, ele quer voltar ao
país a pedido de sua irmã, Arminda, de 93 anos. E ele não
tem, na família, alguém que
queira assumir o longevo negócio. "Eu já imagino. Mas sou superior a tudo isso. E poderei
trabalhar em casa, é um apartamento grande", diz ele, que comercializará apenas livros "acima de R$ 5.000" em suas vendas domésticas.
Uma das raridades que ele
tenta liqüidar agora é uma coleção das "Obras Completas de
Voltaire", de 1836, com apenas
seis volumes. "Outras edições
destas obras completas chegaram a ter 52 e até 74 volumes",
conta o livreiro.
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