São Paulo, sábado, 10 de março de 2007

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Tradicional sebo Ornabi liqüida seu estoque

Em atividade há 62 anos, alfarrábio do português Luís Dias chegou a ter 365 mil livros; livreiro quer vender 15 mil títulos restantes

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Raros têm sido os fregueses", lamenta, ainda que com bom humor, o livreiro Luís Oliveira Dias, 88, quando a reportagem pede que ele aponte algumas das preciosidades em oferta no Ornabi, um dos mais antigos sebos -ou alfarrábio, como prefere chamar- em atividade em São Paulo, e que está para fechar suas portas, após 62 anos de atividade ininterrupta.
"Seu" Luís quer liqüidar o estoque, que inclui dicionários, livros de política, sociologia, geografia, arte, literatura estrangeira e nacional, almanaques etc. Tem obras raras e caras, que passam de R$ 2.000. Mas também tem pechinchas. Vai começar promovendo estantes inteiras, com livros a R$ 5 cada um, baixando paulatinamente até R$ 2 e R$ 1.

O começo
Seu Luís deixou Portugal em agosto de 1939, escapando de uma convocação para o Exército na Segunda Guerra, e começou sua experiência com livros em São Paulo na Lusitana, livraria de um conterrâneo seu, José Vieira Oliveira, na rua Riachuelo, no centro da cidade.
Em 1945, ele abriu sua primeira livraria, na rua Benjamin Constant, 141, no Edifício das Arcadas, com o nome de Ypiranga. "Em cerca de sete anos, ela se transformou no maior sebo de São Paulo", lembra Luís, que, em 1962, já com o nome Ornabi, abreviação de Organização Nacional de Bibliotecas, chegou a ocupar 12 salas da sobreloja, batizadas de "espaços" pelo livreiro.
Havia, entre outros, o espaço Platão (dedicado à filosofia), Mário de Andrade (poesia), o Euclides da Cunha (Brasil), o Eclético, o Luís de Camões (que ainda existe) e o Ruy Barbosa, que abrigou até 8.000 volumes de uma das especialidades da casa, os livros jurídicos.
Pela sua loja, já passaram clientes famosos como, entre outros, o governador de São Paulo Adhemar de Barros (1901-1969), o deputado federal e colunista da Folha Antonio Delfim Netto, que Luís diz conhecer "desde que ainda usava calças curtas".
Segundo Luís, o Ornabi já teve cerca de 365 mil volumes em sua coleção, que ele formou garimpando bibliotecas de todo o país. Uma de suas últimas compras, "para matar as saudades", foi uma edição de 1920 da enciclopédia infanto-juvenil "Tesouro da Juventude", numa edição prefaciada por Clóvis Bevilacqua e adquirida no ano passado.
Entre os livros mais raros que ali passaram, Luís chegou a ter uma Bíblia de 1558, que disse ter vendido quase de "mão beijada" nos anos 1950. E recentemente teve uma oferta de R$ 7.000 por uma compilação de traduções de "Pretidão do Amor", um poema do escritor português Luís de Camões (1524-1580), numa edição de 1893, com quase mil páginas.

15 mil livros à venda
Há cerca de três anos, o sebo ficou restrito a três lojas. Seu Luís dispensou os empregados há poucos meses e quer agora vender boa parte dos 15 mil livros restantes. A decisão tem dois motivos: há seis anos sem ir a Portugal, ele quer voltar ao país a pedido de sua irmã, Arminda, de 93 anos. E ele não tem, na família, alguém que queira assumir o longevo negócio. "Eu já imagino. Mas sou superior a tudo isso. E poderei trabalhar em casa, é um apartamento grande", diz ele, que comercializará apenas livros "acima de R$ 5.000" em suas vendas domésticas.
Uma das raridades que ele tenta liqüidar agora é uma coleção das "Obras Completas de Voltaire", de 1836, com apenas seis volumes. "Outras edições destas obras completas chegaram a ter 52 e até 74 volumes", conta o livreiro.


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