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Crítica/teatro/"Andaime"
Peça adota com eficiência o humor ingênuo do rádio
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Sérgio Roveri declara que
"Andaime" surgiu antes
como uma imagem do
que como uma história. Pudera: a "situação dramática", no
sentido original do termo, de
dois lavadores de vidraça suspensos no meio do nada é
atraentemente simbólica nos
tempos ambíguos que correm.
Mário e Claudionor, por um lado, têm por deformação profissional um distanciamento irônico em relação ao que observam pelas janelas dos arranha-céus que limpam; por outro lado, fazem parte do batalhão invisível da manutenção do cotidiano. Olímpicos e servis, jogam conversa fora, das alturas.
Curiosamente, as condições
nas quais a montagem estréia
reproduzem de certa forma essa ambivalência. Roveri é um
criador da praça Roosevelt, como já se diz com orgulho na
classe teatral: vê o mundo da
periferia para o centro. Mas
fosse a estréia na praça, a partida talvez já estivesse ganha de
início, com uma platéia cúmplice do sarcasmo dos excluídos.
No Teatro Vivo, com ingressos mais caros, o texto tem possibilidade de atingir uma platéia mais elevada socialmente.
O dramaturgo assim retoma a
função que já foi de Ruzzante,
na origem da Commedia dell'Arte: reaproximar os extremos sociais pelo riso, trocando
uma desconfiança rancorosa
por uma simpatia desarmante.
Há algo de fato da comédia de
máscaras no trabalho dos atores. Bem amparados pela cenografia de Gabriel Villela, eficiente e discreta, que dá a instabilidade do andaime na medida
certa, com desconforto mas
sem risco real, e dirigidos com
precisão por Elias Andreato,
Claudio Fontana e Cassio Scapin levam o espetáculo nas costas, desenvoltos, mas sem exibicionismo.
Adotam sotaques
que às vezes perdem, mas não
importa: é muito bom vê-los se
divertir na triangulação com a
platéia, com um "timing" eficaz, alternando tons e ritmos
ao longo do dia de trabalho.
Revolta pontual
Nenhum grande tema será
abordado, nenhuma ferida social mais funda será tocada: no
máximo, por trás da verve popular, transparecerá uma melancolia doída por serem tão
descartáveis. A revolta será
pontual, contra símbolos da falsa ordem urbana, como no trecho de empatia imediata no
qual Fontana se revolta contra
a solicitação de só usar duas folhas de papel toalha, no luxo
antipático dos shoppings, onde
se pode ir, mas não comprar.
Com um tom menos agressivo que o das "stand-up comedies", mas sem descambar para
um humor ridicularizante dos
programas de televisão, Roveri
se filia à técnica do velho humor de rádio, com a ingenuidade espertamente calculada de
Noel Rosa e de Alvarenga e
Ranchinho. Será esse tom eficaz para despertar a platéia
contra o menosprezo, criando
uma solidariedade entre as
classes? Quando Mário e Claudionor descem do andaime a
caminho do shopping, como na
velha canção dos Mamonas Assassinas, observam-se perplexos. A voz dos alternativos, a
partir da praça Roosevelt e adjacências, já se faz ouvir nas vitrines dos andares mais altos?
ANDAIME
Direção: Elias Andreato
Com: Cássio Scapin e Claudio Fontana.
Quando: Sex.: 21h30. Sáb.: 21h. Dom.:
18h. Até 29/4.
Onde: Teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan, 860, tel. 0/xx/11/3188-4141).
Quanto: R$ 50
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