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CRÍTICA
Pragmatismo marca
personagens de Paes
LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas
A sugestão política contida no
belo título "Saudade do Futuro" é
enganosa.O novo documentário
do brasileiro Cesar Paes (diretor)
e da malgaxe Marie-Clémence
Blanc-Paes (produtora), que antes realizaram, entre outros, o excelente "Ensopado de Awara-Dendê", não lamenta aquele tão
prometido "país do futuro" que o
Brasil nunca se tornou e não ataca
o sistema perverso que o impediu.
"Saudade do Futuro", expressão extraída de Clarice Lispector,
retrata migrantes nordestinos em
São Paulo que não parecem particularmente nostálgicos de sua terra natal, nem decepcionados com
o "futuro" que imaginavam para
si na megalópole do sul.
Pragmatismo e integração,
mesmo que dolorosos e conseguidos às custas de uma dura luta
contra o preconceito, constituem
a marca de todos os personagens
do filme. Repente e embolada são
a linguagem que o casal Paes encontrou para narrar o documentário pela boca de seus próprios
personagens, vários deles extraordinários artistas.
Como de praxe na filmografia
dos diretores, a literatura oral
aqui não entra em conflito com a
"modernidade" urbana. Ao contrário, explica-a, num "país de
contrastes" como o Brasil.
De fato, o que chama a atenção
em "Saudade do Futuro" é a agudeza com que os nordestinos sabem captar, em seus versos, as especificidades de São Paulo, lançando-lhe um olhar ao mesmo
tempo do observador externo e
do "insider", já que conhecem a
cidade a partir de suas bases, tendo-a construído com suas próprias mãos.
"São Paulo é o lugar que o nordestino adotou", diz um dos repentistas na abertura do filme, e
então, no frenesi da cidade, nas
massas se espremendo nas ruas e
no metrô, são só rostos de cearenses, paraibanos, pernambucanos,
alagoanos, baianos que aparecem. São Paulo "é" o Nordeste do
qual tanto insiste em se distinguir.
E esse Nordeste em São Paulo
não é necessariamente infeliz.
Numa das melhores tiradas do filme, vemos nordestinos dando
duro numa linha de montagem, a
qual, de início, o espectador imagina pertencer a alguma indústria
metalúrgica.
Mas, de repente, o produto final: o pandeiro! A fábrica de pandeiros, requisito essencial do forró e do baião que escandescem o
filme com seu ritmo contagiante,
sintetiza a luta e o lazer do nordestino, que não se excluem mutuamente.
"Saudade do Futuro" insiste,
ainda, em mostrar que "nordestino" não é apenas o camelô da praça da Sé, mas também "vencedores", como a ex-prefeita Luiza
Erundina, o diretor da Pinacoteca
do Estado, Emanuel Araújo, ou o
radialista Assis Ângelo, que mantém um prestigiado programa de
música brasileira na rádio Capital
(AM, 1.040 kHz). Mesmo que estes sejam a minoria absoluta, o fato de desvitimizar o migrante e
mostrá-lo como alguém que controla seu destino e, mesmo miserável, consegue driblar a urbe
caótica e hostil, já conta vários
pontos a favor do filme.
Falhas há, a mais evidente sendo a ausência de identificação dos
personagens apresentados, que
confunde os brasileiros e confundirá ainda mais os estrangeiros
que assistirem ao filme. Mas um
documentário que, a despeito de
seu inegável caráter etnográfico,
se realiza sem uma gota de paternalismo, vencendo o mais difícil
desafio de seu gênero.
Avaliação:
Filme: Saudade do Futuro
Quando: hoje, às 21h (só para
convidados no Cinesesc; veja endereço
no quadro ao lado; quinta, às 22h, no
MIS; e domingo, às 19h30, no Centro
Cultural Banco do Brasil, r. Primeiro de
Março, 66, centro, Rio)
Quanto: grátis no Cinesesc e no MIS
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