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Pavarotti decepciona em Salvador
IRINEU FRANCO PERPETUO
enviado especial a Salvador
Muita chuva, alguma tosse e
pouca voz foi o que Luciano Pavarotti trouxe para o público soteropolitano, sábado à noite, no Bahia
Marina, em apresentação conjunta com as cantoras locais Gal Costa e Maria Bethânia.
Que o tenor italiano é sinônimo
de aguaceiro, disso o público de
Londres e São Paulo já sabia. Não
é outro o motivo que o fez ganhar
da imprensa britânica a alcunha
de "Pava-wetti" (trocadilho envolvendo seu nome e a palavra inglesa "wet", que significa úmido).
A novidade foi ver aquela que já
foi considerada uma das mais belas vozes do planeta completamente destimbrada, com pigarros
nas árias de "Tosca" e "Rigoletto",
encurtando notas, fugindo de
agudos, picotando frases e atropelando o acompanhamento orquestral, fornecido pelo esforçado
e experiente maestro Leone Magiera, reduzido à impotência pela
incompetência que o cercava.
O aguaceiro começou a cair sobre as 7.000 pessoas que se encaminhavam para o show por volta
das 20h30. Rapidamente, o público foi literalmente embrulhado
pelos organizadores do evento
em capas de chuva de plástico.
Nem o senador Antonio Carlos
Magalhães escapou da chuva -e
foi flagrado no telão impávido,
enfrentando o aguaceiro de terno,
e sem capa. No palco, os músicos
que iriam acompanhar o espetáculo também se mostravam preocupados, e os microfones chegaram a projetar para a platéia um
brado de "está molhando tudo!".
Bahia Marina é um local para
eventos ao ar livre, em Salvador.
Marcando os 500 anos do Descobrimento do Brasil, o show de sábado foi bancado pela operadora
de TV paga Directv (responsável
pela transmissão ao vivo) e pelas
redes HBO e Bandeirantes (que
exibe o espetáculo dia 22, às 22h).
Depois da indomável Orquestra
Sinfônica da Bahia -que quase
arruinou um concerto de Montserrat Caballé em São Paulo, ano
passado- estropiar a abertura
do "Guarany", de Carlos Gomes,
com tempos pouco ortodoxos,
Maria Bethânia entrou no palco,
toda de branco, às 21h25, para
cantar "Rosa dos Ventos".
Vocalmente, os seguros graves
de Bethânia (que cantou ainda
"Fera Ferida", "Terezinha", "Explode Coração" e "Canção da Manhã Feliz") foram o melhor item
da noite. Contudo, ela acabou
sendo prejudicada por dois fatores: como foi a primeira a entrar
no palco, o público ainda não estava devidamente instalado, e ela
teve de conviver com vaivém de
gente com bebida na mão e longas
conversações entabuladas ao celular. Além disso, as pessoas que
se encontravam mais distantes
dos artistas se queixavam de que
o som não estava chegando.
Gal Costa adentrou a área de negro, com problemas técnicos aparentemente resolvidos e um carisma que fez todos esquecerem que
ela já não tem mais a mesma facilidade de sustentar os agudos que
foram sua glória.
Conquistou a audiência com
"Canta Brasil", "Nada Mais",
"Aquarela do Brasil" e "Se Todos
Fossem Iguais a Você". No meio
de sua segunda canção, "Garota
de Ipanema" (cantada em português e inglês), a chuva parou.
Tempo seco, Pavarotti em cena.
Tudo parecia pronto para um final feliz. Contudo, desde os primeiros acordes de "Addio, Fiorito
Sil" (ária da "Madama Butterfly",
de Puccini), notou-se que não seria assim. Aos 64 anos, o tenor utiliza nos cabelos uma tintura negra
tão artificial quanto a de Gustav
von Aschembach no filme "Morte
em Veneza". Porém, a decrepitude vocal, infelizmente, não é tão
fácil de camuflar quanto a capilar.
Pavarotti não tinha a responsabilidade de projetar sua voz em
um teatro sem amplificação: não,
os microfones o ajudavam. Bastava cantar. Nem isso ele conseguiu.
O tenor apanhou não apenas
das seis árias de ópera que incluiu
no programa como ainda das três
cançonetas italianas ("Mattinata", "La Girometta" e "Non Ti
Scordar di Me") e até da espanhola "Granada". Havia ainda esperanças de que a noite poderia ser
salva pouco antes das 23h, quando Bethânia e Gal se juntaram ao
italiano para cantar, com muito
estilo, "Manhã de Carnaval".
Mas ficou só na ameaça. Em "O
Sole Mio", o caos se instaurou,
dentro e fora do palco. Cada um
dos três cantou em uma altura,
um ritmo e uma letra. Indulgente,
Pavarotti (que arruinara a língua
portuguesa em "Manhã de Carnaval") sorria para as dificuldades
das cantoras brasileiras com o
dialeto napolitano. E o público,
sempre caloroso e benevolente,
acabou sendo dispersado pela
chuva torrencial que começou a
cair naquele exato instante. São
Pedro, se existe, é sábio: não poderia haver conclusão melhor para este autêntico "Titanic" musical do que água. Muita água.
O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou
a Salvador a convite da HBO
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