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São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2003

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CRÍTICA

Filme recupera dia-a-dia na clandestinidade

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O propósito de "No Olho do Furacão", de Renato Tapajós e Toni Venturi, é iluminar o dia-a-dia dos militantes da guerrilha urbana massacrada pelo regime militar.
Feito para a TV, o documentário (que será exibido amanhã na Rede SescSenac) segue o esquema básico do formato, alternando depoimentos de militantes, cenas de seu cotidiano atual e material de arquivo. A narração é feita pelo co-diretor Renato Tapajós, ele mesmo um sobrevivente da luta armada. Mas, "No Olho do Furacão" não tira disso o proveito que se poderia esperar: o texto é retórico e convencional, emitido de modo distanciado, quase formal.
As trajetórias de vida recuperadas pelo documentário são ao mesmo tempo ilustrativas dos chamados "anos de chumbo" e extremamente singulares.
Há, por exemplo, o ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Pedro Lobo, que havia sido policial da Força Pública e que cuidava do arsenal da organização guerrilheira. Hoje, aposentado, ganha a vida treinando cães pastores alemães.
Sua experiência contrasta com a de Dulce Maia, que foi torturada com especial sadismo por ser vista pela repressão como uma "traidora de classe", já que vinha de família burguesa. Hoje Dulce assiste crianças vítimas de abuso sexual.
Outra ex-guerrilheira, Robêni Costa, é subprefeita de Barão Geraldo, em Campinas. Assim como Pedro Lobo, ela impressiona por seu aspecto absolutamente caseiro e bonachão, por seu sotaque caipira, pela maneira simples de encarar o passado e o presente. Nem parece que eles viveram "no olho do furacão".
Mas o personagem mais controvertido é Carlos Eugênio Paz, ex-dirigente da Ação Libertadora Nacional, hoje assessor do PSB. Ele fala da namorada assassinada pelos militares, de sua experiência com drogas pesadas no exílio, de sua atividade como compositor. Só não diz que foi o homem que executou o próprio companheiro Márcio Leite de Toledo, também da ALN, por decisão da cúpula da organização.
A omissão não é casual. O que falta a "No Olho do Furacão" é justamente um aprofundamento nessas contradições internas da vida clandestina. Da forma como está, é quase um filme institucional da guerrilha urbana. Espera-se que Venturi (de "Latitude Zero") vá além disso no longa de ficção que está finalizando, sobre o mesmo tema, "Cabra Cega".


No Olho do Furacão   
Produção: Brasil, 2003
Direção: Renato Tapajós e Toni Venturi
Quando: amanhã, às 20h, na Rede SescSenac



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