|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Filme recupera dia-a-dia na clandestinidade
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O propósito de "No Olho
do Furacão", de Renato Tapajós e Toni Venturi, é iluminar o
dia-a-dia dos militantes da guerrilha urbana massacrada pelo regime militar.
Feito para a TV, o documentário (que será exibido amanhã na
Rede SescSenac) segue o esquema
básico do formato, alternando depoimentos de militantes, cenas de
seu cotidiano atual e material de
arquivo. A narração é feita pelo
co-diretor Renato Tapajós, ele
mesmo um sobrevivente da luta
armada. Mas, "No Olho do Furacão" não tira disso o proveito que
se poderia esperar: o texto é retórico e convencional, emitido de
modo distanciado, quase formal.
As trajetórias de vida recuperadas pelo documentário são ao
mesmo tempo ilustrativas dos
chamados "anos de chumbo" e
extremamente singulares.
Há, por exemplo, o ex-militante
da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Pedro Lobo, que
havia sido policial da Força Pública e que cuidava do arsenal da organização guerrilheira. Hoje, aposentado, ganha a vida treinando
cães pastores alemães.
Sua experiência contrasta com a
de Dulce Maia, que foi torturada
com especial sadismo por ser vista pela repressão como uma "traidora de classe", já que vinha de família burguesa. Hoje Dulce assiste
crianças vítimas de abuso sexual.
Outra ex-guerrilheira, Robêni
Costa, é subprefeita de Barão Geraldo, em Campinas. Assim como
Pedro Lobo, ela impressiona por
seu aspecto absolutamente caseiro e bonachão, por seu sotaque
caipira, pela maneira simples de
encarar o passado e o presente.
Nem parece que eles viveram "no
olho do furacão".
Mas o personagem mais controvertido é Carlos Eugênio Paz,
ex-dirigente da Ação Libertadora
Nacional, hoje assessor do PSB.
Ele fala da namorada assassinada
pelos militares, de sua experiência
com drogas pesadas no exílio, de
sua atividade como compositor.
Só não diz que foi o homem que
executou o próprio companheiro
Márcio Leite de Toledo, também
da ALN, por decisão da cúpula da
organização.
A omissão não é casual. O que
falta a "No Olho do Furacão" é
justamente um aprofundamento
nessas contradições internas da
vida clandestina. Da forma como
está, é quase um filme institucional da guerrilha urbana. Espera-se que Venturi (de "Latitude Zero") vá além disso no longa de ficção que está finalizando, sobre o mesmo tema, "Cabra Cega".
No Olho do Furacão
Produção: Brasil, 2003
Direção: Renato Tapajós e Toni Venturi
Quando: amanhã, às 20h, na Rede
SescSenac
Texto Anterior: Gastronomia: Mudança de hábito Próximo Texto: Contardo Calligaris: As identificações e a possibilidade de pensar Índice
|