ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Sombras na Relva" reúne quatro histórias autobiográficas da escritora dinamarquesa Karen Blixen (que adotou muitas vezes o pseudônimo Isak Dinesen) relacionadas aos anos em que viveu na África. Nelas, ela retoma o tema de uma de suas obras mais famosas, "A Fazenda Africana", livro adaptado posteriormente por Sydney Pollack para o cinema em "Entre Dois Amores" (1985).
Em "Farah", a primeira narrativa, Blixen descreve sua admiração pelo criado somali Farah Aden, que durante 18 anos dirigiu sua casa, suas estrebarias e seus safáris. Na segunda, "Barua a Soldani", a caçadora e médica ocasional conta o impacto mágico em um jovem ferido de uma carta que recebeu do rei da Dinamarca em agradecimento a uma pele de leão por ela enviada.
Em "O Grande Gesto", a terceira e provavelmente mais bem desenvolvida das quatro narrativas, vemos a difícil relação que ela estabelece com um menino doente de quem cuidava e observamos como um mal-entendido pode se resolver com uma explosão de risadas: "Depois de um minuto, não pude deixar de rir. E quando, examinando meu rosto, surpreenderam a mudança, eles me acompanharam. Um após o outro, os semblantes à minha volta iluminaram-se e desataram-se em risadas. Nos rostos das velhas mulheres sem dentes, uma centena de delicadas rugas franziu faces e queixos em uma radiante máscara barroca, e não eram mais cicatrizes deixadas pela batalha da vida, mas traços de muitos risos".
Por fim, no último relato, a escritora relembra sua saída da África e as dificuldades para manter contato com as pessoas que deixara para trás.
Ainda que o tom aqui seja muito diferente do de suas melhores obras, mais acelerado e direto, e que essa África rememorada adquira às vezes contornos um tanto mitificados, "Sombras na Relva" traz bons momentos dessa "existência estranhamente irreal, desligada do passado ou do futuro".

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da USP.