São Paulo, Sábado, 10 de Abril de 1999
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GUERRA NOS BÁLCÃS
O ex-líder da banda iugoslava Bajaga & Instruktori, atualmente solo, fala sobre a situação de seu país
"Amo o basquete americano", diz Cucik

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

As bombas da Otan sobre a Iugoslávia têm servido, até aqui, para pelo menos duas coisas. Unir a população em torno do presidente Slobodan Milosevic e movimentar a cena rock local. Dejan Cucik, 39, foi um dos primeiros a se apresentar nos shows ao ar livre que acontecem em Belgrado, capital iugoslava, desde o início dos ataques.
Embora jamais tenha votado em Milosevic, Cucik vê Kossovo como ""berço do país" e crê que os EUA estão se tornando ""uma máquina de guerra".
Cucik tornou-se popular na Iugoslávia pré-dissolução dos anos 80 ao integrar a banda Bajaga & Instruktori. Em 87, lançou-se em carreira solo, gravando até aqui sete discos. Cucik diz que o Bajaga vendia em média 300 mil cópias a cada disco, mas isso faz parte de uma ""Iugoslávia rica", que ficou há tempos para trás. ""Estou feliz se vender 10 mil, 20 mil cópias hoje em dia". Cucik falou à Folha, por e-mail, de Belgrado.

Folha - Como é viver num país em guerra?
Dejan Cucik -
Eu não consigo estar bem em outro lugar, mesmo tendo amigos e parentes pelo mundo. Por isso, fico em Belgrado. Estamos seguros, mas cada dia é diferente. Sou pai de um menino de 2 anos, e minha mulher está grávida de seis meses, mas vamos ficar. Esses dias houve mortes em Aleksinac, onde minha mulher tem parentes muito próximos. A Otan se desculpou pelos erros de alvo. Essas desculpas nos confortaram muito (risos).
Folha - O sr. colaborou nos show/manifestos contra a Otan, em Belgrado. O sentimento aí é diferente de um show comum?
Cucik -
Eu toquei justamente no primeiro dia. Há duas coisas boas sobre esses concertos: a primeira é que as pessoas melhoram de humor, o que aliás é bastante sérvio; a outra é possibilitar uma chance de desabafar. Mas há também um aspecto negativo: alguns usaram esses shows para se promover.
Folha - Qual a sua opinião sobre Slobodan Milosevic e a ocupação militar de Kossovo?
Cucik -
Eu nunca votei nele. Fui, inclusive, ativo em manifestações contra Milosevic há alguns anos. Mas quando as bombas começaram a cair, foi o fim dos demais políticos. Milosevic foi democraticamente eleito, e meu país está agora sob agressão.
Sobre Kossovo, lá é o berço de nosso país, e toquei lá várias vezes. Pode-se dizer que nos últimos 50 anos houve uma limpeza étnica silenciosa, com a população sérvia caindo de 50% para 10% da população da província.
Ninguém fala que as lideranças albanesas mantêm seu povo de maneira a ser facilmente manipulado. Conseguem isso com pouca educação e estimulando a fertilidade. Creia-me, não sou vítima da propaganda oficial. Uma das coisas boas de crescer sob o comunismo é que você aprende a não confiar em ninguém, especialmente na TV estatal.
Folha - O sr. acredita no surgimento de novos líderes oposicionistas na Iugoslávia após os bombardeios?
Cucik -
É uma possibilidade. Acho que é essa uma das grandes metas da política americana. Criar pelo mundo países supostamente democráticos, países onde as pessoas possam ser manipuladas e controladas por desejos de luxúria e consumismo.
Folha - Por que a Iugoslávia tem uma cena pop importante?
Cucik -
Nós somos um país de "crossroads" (rotas de travessia). O rock sempre foi uma forma eclética de arte, e a nossa mentalidade aberta a diferentes influências é boa para o rock.
Folha - A guerra mudou seu sentimento em relação aos norte-americanos, mesmo aqueles que o sr. admira ou admirava?
Cucik -
Eu não sei ainda... Você não pode escapar à idéia de que a ignorância geral do povo americano é que torna possível que os EUA se transformem numa perigosa e incontrolável máquina de guerra. Por outro lado, eu ainda gosto do rock americano, amo o basquete americano e, para falar a verdade, estou tomando uma Coca-Cola exatamente agora... Mas o cinema... Eu não consigo mais ver aquele lixo. Eu lembro de meus pais falando de como suas vidas mudaram nos anos 50, quando os filmes americanos começaram a ser exibidos por aqui. Eram filmes cheios de alegria e otimismo. Agora, essa produção de Hollywood cheia de destruição a cada quadro... Não sei, talvez eu não entenda muito bem.


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