São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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Setenta anos depois, "Raízes do Brasil" mantém atualidade

DA REPORTAGEM LOCAL

No ano em que chega ao seu 70º aniversário, "Raízes do Brasil" veste uma roupa nova e sai por aí, mostrando que suas principais questões ainda estão vivas no debate acadêmico.
Na época de seu lançamento, em 1936, seu tom ensaístico, influenciado pela sociologia alemã, destoava de outras análises da época e causava certo estranhamento. "Não era tão fácil compreendê-lo; além disso, os problemas que o texto apontava ainda estavam se desenvolvendo. "Raízes" se mostra mais adequado aos dias de hoje", diz Nicolau Sevcenko.
Do ponto de vista mais concreto, "Raízes" vai mostrar sua cara nova em outubro, quando a editora Companhia das Letras lançará uma edição especial do livro, organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Ricardo Benzaquen, e com colaboração da própria viúva de Sérgio Buarque, Maria Amélia. O livro ganhará um caderno de imagens, uma cronologia e alguns artigos sobre "Raízes" de outros comentadores.

Quem vai ficar
Mas não é só a obra do historiador paulista que mantém o vigor décadas depois. A força explicativa de seus "companheiros" de geração também é ressaltada pelos intelectuais ouvidos pela Folha. De pronto, fica claro que Freyre parece ter sido resgatado em São Paulo depois de um período em que foi rechaçado por parte da intelectualidade local devido às suas convicções políticas e intelectuais conservadoras.
"Independente de preferências pessoais, quem sobrevive melhor é Freyre, que foi reabilitado do fato de ter sofrido a perseguição de um stalinismo às avessas", diz Boris Fausto.
Apesar de alertar que, como historiador, situe-se mais ao lado de Sérgio Buarque, Evaldo concorda com a permanência de Freyre. "Gilberto foi mais afortunado ao tratar do tema da identidade nacional a partir da idéia de miscigenação e ao usar uma linguagem poética. Por isso, ele tem algo mais a dizer aos dias de hoje, fala mais diretamente à sensibilidade atual do brasileiro." Evaldo, ainda, acusa os que o proscreveram. "O fato é que Gilberto ficou e ninguém mais fala da escola sociológica de São Paulo, que tanto o criticou."
Sevcenko defende a atualidade de "Raízes". "É um livro que tem mais amplitude, porque Sérgio Buarque trabalha na dinâmica do conflito entre a cultura européia e o Brasil daquele tempo", diz.
Tales Ab'Sáber compara o livro, segundo ele parte do projeto modernista brasileiro, com a obra de Caio Prado, mais "crítica, negativa" e, de certa forma, antecipadora do esgotamento do processo de "modernização" do país.
Diz que a descrição do "homem cordial" -que define uma forma de relação social avessa à lei geral e impessoal- descreve uma "ética pessoal conservadora, aventureira, um liberalismo não-moderno".
Sérgio Buarque, no capítulo derradeiro de seu ensaio, aposta na possibilidade de superação dessa ordem, por meio de uma "revolução" lenta e gradual, forjada pelo processo de urbanização que se aceleraria dali por diante. "Acho que ele ficaria assustado hoje em dia em ver a força de atração e de resistência dessas forças arcaicas, dessa subjetividade política que ele descreve e sua eficácia para o Brasil. Como isso tem capacidade de se adaptar, de se repor, mesmo com a mudança geral do quadro, com o capitalismo avançando."
"O Sérgio Buarque acredita nisso", ele diz, "num processo de modernização gradual que iria extirpando esses traços arcaicos -ou seja, ele acredita numa espécie de revolução formal, modernizante e gradual. Essa é a hipótese genérica do modernismo brasileiro, que vai dar no nacional-desenvolvimentismo. É esse horizonte que se lança aí, do qual ele faz parte".
Já Caio Prado, defende Sáber, "mostra uma coisa terrível". "Que a inscrição do Brasil no circuito da mercadoria global é uma inscrição frágil, em que cada volta da técnica no centro do capital o Brasil é desenraizado novamente. Caio Prado é mais crítico, mais negativo, e já aponta para o horizonte mais contemporâneo."
Boris Fausto aponta outra "atualidade" de "Raízes": a "defesa da democracia, numa época em que não era charme ser democrata".
Para o crítico Silviano Santiago, "Raízes" pode ser considerado parte do projeto modernista apenas se tomada "alguma precaução". "Parece-me hoje que o ensaio é uma correção, se me permitem o ligeiro exagero, ao nacionalismo excessivo que dominou a década anterior, a partir de 1924."
O crítico defende que o ensaio de Sérgio Buarque é uma das últimas interpretações "literárias" do país -o que traria vantagens sobre pesquisas mais específicas. "Assim como na medicina de hoje sente-se falta do generalista, assim também na interpretação da América Latina sente-se falta do hermeneuta que tem uma cultura geral que explode os limites pré-fixados pela especialização universitária", afirma Santiago. (RC e SC)


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