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Setenta anos depois, "Raízes do Brasil" mantém atualidade
DA REPORTAGEM LOCAL
No ano em que chega ao seu
70º aniversário, "Raízes do
Brasil" veste uma roupa nova e
sai por aí, mostrando que suas
principais questões ainda estão
vivas no debate acadêmico.
Na época de seu lançamento,
em 1936, seu tom ensaístico, influenciado pela sociologia alemã, destoava de outras análises
da época e causava certo estranhamento. "Não era tão fácil
compreendê-lo; além disso, os
problemas que o texto apontava ainda estavam se desenvolvendo. "Raízes" se mostra mais
adequado aos dias de hoje", diz
Nicolau Sevcenko.
Do ponto de vista mais concreto, "Raízes" vai mostrar sua
cara nova em outubro, quando
a editora Companhia das Letras lançará uma edição especial do livro, organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Ricardo
Benzaquen, e com colaboração
da própria viúva de Sérgio
Buarque, Maria Amélia. O livro
ganhará um caderno de imagens, uma cronologia e alguns
artigos sobre "Raízes" de outros comentadores.
Quem vai ficar
Mas não é só a obra do historiador paulista que mantém o
vigor décadas depois. A força
explicativa de seus "companheiros" de geração também é
ressaltada pelos intelectuais
ouvidos pela Folha. De pronto,
fica claro que Freyre parece ter
sido resgatado em São Paulo
depois de um período em que
foi rechaçado por parte da intelectualidade local devido às
suas convicções políticas e intelectuais conservadoras.
"Independente de preferências pessoais, quem sobrevive
melhor é Freyre, que foi reabilitado do fato de ter sofrido a
perseguição de um stalinismo
às avessas", diz Boris Fausto.
Apesar de alertar que, como
historiador, situe-se mais ao lado de Sérgio Buarque, Evaldo
concorda com a permanência
de Freyre. "Gilberto foi mais
afortunado ao tratar do tema
da identidade nacional a partir
da idéia de miscigenação e ao
usar uma linguagem poética.
Por isso, ele tem algo mais a dizer aos dias de hoje, fala mais
diretamente à sensibilidade
atual do brasileiro." Evaldo,
ainda, acusa os que o proscreveram. "O fato é que Gilberto
ficou e ninguém mais fala da
escola sociológica de São Paulo,
que tanto o criticou."
Sevcenko defende a atualidade de "Raízes". "É um livro que
tem mais amplitude, porque
Sérgio Buarque trabalha na dinâmica do conflito entre a cultura européia e o Brasil daquele tempo", diz.
Tales Ab'Sáber compara o livro, segundo ele parte do projeto modernista brasileiro, com a
obra de Caio Prado, mais "crítica, negativa" e, de certa forma,
antecipadora do esgotamento
do processo de "modernização" do país.
Diz que a descrição do "homem cordial" -que define uma
forma de relação social avessa à
lei geral e impessoal- descreve
uma "ética pessoal conservadora, aventureira, um liberalismo não-moderno".
Sérgio Buarque, no capítulo
derradeiro de seu ensaio, aposta na possibilidade de superação dessa ordem, por meio de
uma "revolução" lenta e gradual, forjada pelo processo de
urbanização que se aceleraria
dali por diante. "Acho que ele
ficaria assustado hoje em dia
em ver a força de atração e de
resistência dessas forças arcaicas, dessa subjetividade política que ele descreve e sua eficácia para o Brasil. Como isso
tem capacidade de se adaptar,
de se repor, mesmo com a mudança geral do quadro, com o
capitalismo avançando."
"O Sérgio Buarque acredita
nisso", ele diz, "num processo
de modernização gradual que
iria extirpando esses traços arcaicos -ou seja, ele acredita
numa espécie de revolução formal, modernizante e gradual.
Essa é a hipótese genérica do
modernismo brasileiro, que vai
dar no nacional-desenvolvimentismo. É esse horizonte
que se lança aí, do qual ele faz
parte".
Já Caio Prado, defende Sáber, "mostra uma coisa terrível". "Que a inscrição do Brasil
no circuito da mercadoria global é uma inscrição frágil, em
que cada volta da técnica no
centro do capital o Brasil é desenraizado novamente. Caio
Prado é mais crítico, mais negativo, e já aponta para o horizonte mais contemporâneo."
Boris Fausto aponta outra
"atualidade" de "Raízes": a "defesa da democracia, numa época em que não era charme ser
democrata".
Para o crítico Silviano Santiago, "Raízes" pode ser considerado parte do projeto modernista apenas se tomada "alguma precaução". "Parece-me
hoje que o ensaio é uma correção, se me permitem o ligeiro
exagero, ao nacionalismo excessivo que dominou a década
anterior, a partir de 1924."
O crítico defende que o ensaio de Sérgio Buarque é uma
das últimas interpretações "literárias" do país -o que traria
vantagens sobre pesquisas
mais específicas. "Assim como
na medicina de hoje sente-se
falta do generalista, assim também na interpretação da América Latina sente-se falta do
hermeneuta que tem uma cultura geral que explode os limites pré-fixados pela especialização universitária", afirma
Santiago.
(RC e SC)
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