|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BIA ABRAMO
O último seriado adolescente
Permite-se tudo, desde que, no final, qualquer traço de rebeldia real seja apaziguado
|
O CLIMA é de luto entre os fãs
de seriados: foi ao ar nesta semana o último episódio da
última temporada de "Gilmore
Girls". Juntando com o final de "The
O.C.", algumas semanas atrás, isso
significa que está vago o lugar do seriado adolescente.
Os requisitos básicos são os mesmos desde "Dawsons Creek". Em
primeiro lugar, é preciso ser o mais
cool possível: gente linda e "perfeita", roupas legais, referências espertas à cultura pop, um tantinho de neurose em grau suficiente para tornar tramas e diálogos atraentes e divertidos... Em segundo lugar, há que ser, por mais tortuoso que o percurso até lá queira parecer, profundamente moral.
Funciona assim: ao mesmo tempo
em que exibem modelos moderninhos, inclusive de comportamento,
no final reitera-se a centralidade da
família (ainda que tenha que se admitir famílias não tradicionais), os
valores competitivos nos estudos e
no trabalho e, sobretudo, a alegria do
conformismo.
Permite-se tudo, desde que, no final, qualquer traço de rebeldia real,
de angústia verdadeira e de experimentação existencial autêntica seja
devidamente apaziguado.
"Gilmore Girls" era uma espécie
de achado, porque era um seriado
com duas protagonistas "adolescentes": uma no papel de filha e outra no
de mãe. Ou seja, Lorelai engravida
na adolescência e, com 30 e poucos,
é uma mãe de uma adolescente;
Rory é a filha muito madura dessa
mãe muito jovem.
Em outras palavras, dois tipos
contemporâneos típicos: jovens
amadurecidos a fórceps e adultos
eternamente presos à sua juventude. À esperteza sociológica do argumento, some-se que, de cara, há um
erro -o de ter se tornado mãe ainda
adolescente- a reparar e um -o de
impedir, a todo custo, que a filha siga
o mesmo caminho- a evitar. Para
um projeto moralista, nada mais
apropriado.
Todo o seriado consistia nessa
tensão, da adequação dos que, em algum momento, parecem inadequados. A jovem mãe prova aos pais que,
apesar do erro de juventude, é capaz
de ser uma empresária de sucesso (e
regular a sexualidade da filha), e a
doce Rory, cerebral e sensível, é um
modelo de aluna, filha, neta, amiga,
namorada etc.
O pulo do gato é operar essas trajetórias, no fundo exemplares, como
se fossem críticas e não convencionais. Em "Gilmore Girls" isso se fazia com diálogos muito ágeis e espertos -mãe e filha tinham quase que
uma linguagem própria- e um timing cômico invejável.
biaabramo.tv@uol.com.br
Texto Anterior: Crítica: Musical dos anos 30 traz Judy Garland Próximo Texto: Novelas da semana Índice
|