São Paulo, quarta-feira, 10 de junho de 2009

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MÚSICA

Crítica/"In Principio"

Pärt vai ao essencial em novo álbum, já lançado na Europa

Com obra ligada ao minimalismo, compositor estoniano que mora na Alemanha mostra novo disco com seis peças

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Essa música entra direto na medula, caindo do nada em direção ao nada pelo fio terra de cada um de nós. Na falta de outro termo, fala-se de Arvo Pärt (1935) como um compositor "minimalista", mas a palavra só vale se for dada a ela outro sentido, diferente do de hábito.
Estamos longe das repetições ritmicamente complexas e harmonicamente simples de compositores como Glass e Reich. Neste outro mundo, mínimo é sinônimo de essencial, o que não significa redução de meios, mas concentração de propósitos.
O que dizer, por exemplo, da pequena peça coral "Da Pacem Domine" (dai-nos paz, Senhor)? Encomendada pelo mestre catalão da música antiga Jordi Savall, foi composta como tributo às vitimas do atentado terrorista ocorrido em 11 de março, em Madri, no ano de 2004.
É uma peça "mínima" porque reduzida a uma sequência de acordes que vai caleidoscópica e dissonantemente se alterando; mas nada sugere o imprevisível caminho desse lamento, que se nutre ao mesmo tempo de canto gregoriano e música do leste da Europa, da música contemporânea de concerto e do canto sem estilo e sem data que a humanidade desde sempre inventa para se consolar.
Com outras qualificações, pode-se dizer algo análogo de "Für Lennart in Memoriam", para cordas. Encomendada pouco antes de sua morte, em 2001, pelo próprio Lennart Meri (segundo presidente eleito da Estônia depois do fim da União Soviética), foi tocada na sua cerimônia fúnebre.
A música, aqui, se liga à tradição dos ícones, obras de arte que não existem para representar, mas sim para dar acesso a outra dimensão, tornada presente no ato de ver. Vincula-se ainda às vertentes hesicastas do cristianismo oriental: o apaziguamento das paixões e o repouso físico como meio de escapar das ilusões.
Tudo em Pärt potencializa essas três linhas: minimalismo, ícones, hesicasmo. Recém lançado na Europa, o novo disco reúne seis peças recentes, interpretadas pela Sinfônica Nacional da Estônia e Coro Filarmônico da Estônia, regidos por Tönu Kaljuste. É seu 12º CD na ECM, cujo selo "New Series" foi inaugurado há 25 anos exatamente com o álbum "Tabula Rasa", de Pärt.

Radicado na Alemanha
Nascido na Estônia, Pärt emigrou para a Alemanha em 1980, aproveitando uma onda de vistos para judeus que queriam deixar o bloco soviético (ele é católico ortodoxo, mas casado com uma judia).
Vive na Alemanha e nessas últimas três décadas veio a se tornar um dos compositores mais tocados não só no circuito da música de concerto, mas também nas telas de cinema e em palcos de teatro e dança mundo afora. Caso raro: um compositor de música contemporânea que, sem fazer a menor concessão, fala imediatamente a qualquer ouvinte.
"Aqui fico sozinho com o silêncio", escreveu o compositor estoniano. "Descobri que me basta uma única nota bem tocada. Essa nota, ou essa pausa, um momento de silêncio, me consolam."
Toda sua música talvez não seja outra coisa senão a tentativa de descobrir essa nota e esse silêncio, por trás de todas as outras ou no fundo da sua ausência. Dentro ou por trás dessa nota se cria a presença de quem ouve.
No fundo ou para além da sua ausência, a música já nos deixou para trás: são os lamentos da música para a música, na vastidão de um deus, ou de ninguém.


IN PRINCIPIO

Artista: Arvo Pärt
Lançamento: ECM (importado; US$ 12,99, cerca de R$ 25, mais taxas, em www.amazon.com)
Avaliação: ótimo




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