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MÚSICA
Crítica/"In Principio"
Pärt vai ao essencial em novo álbum, já lançado na Europa
Com obra ligada ao minimalismo, compositor estoniano que mora na Alemanha mostra novo disco com seis peças
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Essa música entra direto
na medula, caindo do
nada em direção ao nada pelo fio terra de cada um de
nós. Na falta de outro termo, fala-se de Arvo Pärt (1935) como
um compositor "minimalista",
mas a palavra só vale se for dada a ela outro sentido, diferente
do de hábito.
Estamos longe das repetições ritmicamente complexas e
harmonicamente simples de
compositores como Glass e
Reich. Neste outro mundo, mínimo é sinônimo de essencial, o
que não significa redução de
meios, mas concentração de
propósitos.
O que dizer, por exemplo, da
pequena peça coral "Da Pacem
Domine" (dai-nos paz, Senhor)? Encomendada pelo
mestre catalão da música antiga Jordi Savall, foi composta
como tributo às vitimas do
atentado terrorista ocorrido
em 11 de março, em Madri, no
ano de 2004.
É uma peça "mínima" porque reduzida a uma sequência
de acordes que vai caleidoscópica e dissonantemente se alterando; mas nada sugere o imprevisível caminho desse lamento, que se nutre ao mesmo
tempo de canto gregoriano e
música do leste da Europa, da
música contemporânea de concerto e do canto sem estilo e
sem data que a humanidade
desde sempre inventa para se
consolar.
Com outras qualificações,
pode-se dizer algo análogo de
"Für Lennart in Memoriam",
para cordas. Encomendada
pouco antes de sua morte, em
2001, pelo próprio Lennart
Meri (segundo presidente eleito da Estônia depois do fim da
União Soviética), foi tocada na
sua cerimônia fúnebre.
A música, aqui, se liga à tradição dos ícones, obras de arte
que não existem para representar, mas sim para dar acesso a
outra dimensão, tornada presente no ato de ver.
Vincula-se ainda às vertentes
hesicastas do cristianismo
oriental: o apaziguamento das
paixões e o repouso físico como
meio de escapar das ilusões.
Tudo em Pärt potencializa essas três linhas: minimalismo,
ícones, hesicasmo.
Recém lançado na Europa, o
novo disco reúne seis peças recentes, interpretadas pela Sinfônica Nacional da Estônia e
Coro Filarmônico da Estônia,
regidos por Tönu Kaljuste.
É seu 12º CD na ECM, cujo
selo "New Series" foi inaugurado há 25 anos exatamente com
o álbum "Tabula Rasa", de Pärt.
Radicado na Alemanha
Nascido na Estônia, Pärt
emigrou para a Alemanha em
1980, aproveitando uma onda
de vistos para judeus que queriam deixar o bloco soviético
(ele é católico ortodoxo, mas
casado com uma judia).
Vive na Alemanha e nessas
últimas três décadas veio a se
tornar um dos compositores
mais tocados não só no circuito
da música de concerto, mas
também nas telas de cinema e
em palcos de teatro e dança
mundo afora. Caso raro: um
compositor de música contemporânea que, sem fazer a menor concessão, fala imediatamente a qualquer ouvinte.
"Aqui fico sozinho com o silêncio", escreveu o compositor
estoniano. "Descobri que me
basta uma única nota bem tocada. Essa nota, ou essa pausa,
um momento de silêncio, me
consolam."
Toda sua música talvez não
seja outra coisa senão a tentativa de descobrir essa nota e esse
silêncio, por trás de todas as outras ou no fundo da sua ausência. Dentro ou por trás dessa
nota se cria a presença de quem
ouve.
No fundo ou para além da sua
ausência, a música já nos deixou para trás: são os lamentos
da música para a música, na
vastidão de um deus, ou de
ninguém.
IN PRINCIPIO
Artista: Arvo Pärt
Lançamento: ECM (importado; US$ 12,99, cerca de R$ 25, mais taxas, em www.amazon.com)
Avaliação: ótimo
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