São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2011

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ENTREVISTA ORHAN PAMUK

Colecionar objetos é responder a uma memória dolorosa


NOBEL TURCO, QUE LANÇA "MUSEU DA INOCÊNCIA", DIZ QUE HÁBITO DE JUNTAR COISAS É INERENTE AO HOMEM E SÓ VALORIZADO NO OCIDENTE


Samuel Aranda - 9.mai.2009/Getty Images
O escritor Orhan Pamuk; no destaque, ingresso para o "Museu da Inocência" impresso no livro

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Enquanto a ficção contemporânea brinca de realidade, Orhan Pamuk levou o jogo além. Em seu novo romance, "O Museu da Inocência", o Nobel turco prorrogou a invenção para a vida real.
O livro conta a paixão de Kemal por Füsun, tão intensa que leva o personagem a criar um museu com objetos ligados ao caso de amor.
Só que, enquanto escrevia o livro, Pamuk -que aparece algumas vezes na trama- foi montando um museu de verdade com bugigangas que fazem parte da história.
Será aberto em breve em Istambul, e um ingresso impresso no livro dará acesso ao local.
Sobre o hábito humano de colecionar e sobre esses dois museus, o de verdade e o ficcional, ele falou à Folha, por telefone, de Istambul.
Pamuk, que esteve na Flip em 2005, voltará ao Brasil em dezembro para participar do ciclo de conferências "Fronteiras do Pensamento".

 


Folha - O sr. começou a juntar itens desde o início do livro?
Orhan Pamuk -
Sim. Para mim, o desafio era criar a história ao mesmo tempo em que colecionava objetos que estavam nela. Ou seja, meus personagens estão vestindo um vestido, fumando um cachimbo ou um cigarro de marca antiga ou vendo paisagens fotográficas. Eu tenho de ter as fotografias, os cigarros antigos, o vestido, o cachimbo. Em seguida eu exibiria os objetos num museu.

O museu já existe?
Estamos terminando. Mas meus fãs me gozam, "Orhan, há um ano e meio você diz que está terminando o museu". Mas agora estamos mesmo. Acabamos de pôr uma placa na porta: "Infelizmente, o Museu da Inocência ainda está em construção". Porque pessoas de todas as partes chegam com o livro nas mãos e nos xingam.

Qual a função de um museu?
Meu pobre Kemal pensa no desejo humano de colecionar e em como a civilização ocidental pode reunir coleções, enquanto, no mundo não ocidental, raramente essas coleções são colocadas em museus. Eles nem sequer chamam de coleção, mas de coleta aleatória de objetos. Meu livro mostra que há um desejo inato em nós de colecionar, relacionado a algum trauma, uma ferida espiritual, uma memória dolorosa. Não queremos saber por que colecionamos, mas continuamos a colecionar. Nas civilizações em que as coleções não são valorizadas, as pessoas têm vergonha de colecionar, escondem suas coleções, são chamadas de esquisitas, morrem sozinhas. Quando Kemal começa a colecionar, pegando o brinco de Füsun, não vê que inicia uma coleção -está respondendo a uma dor amorosa.

Até onde sei, é o seu primeiro livro que tem como eixo uma história de amor. Por que falar de amor agora?
Por que não agora? O amor é parte essencial da vida humana. Nos meus livros, tratei do espírito cultural da Turquia: em "Neve", por meio da política; em "Meu Nome É Vermelho", por meio da arte; em "Istambul" e "O Livro Negro", por meio das camadas de Istambul. Queria há muito tempo escrever uma história de amor. Falando do amor, falo do tema mais universal da humanidade, mas também de um tema particular, num país islâmico onde nos anos 70 sexo fora do casamento era quase impossível.

No fim do livro, Kemal pergunta ao escritor Pamuk se ele "alguma vez esteve apaixonado assim", e Pamuk desconversa. Alguma vez o sr. esteve apaixonado assim?
Certamente há uma tendência em mim em dizer: "Claro, até mais que Kemal. Kemal sou eu e todas as coisas que estão no livro aconteceram comigo". Escrever um romance é escrever um texto que o seu leitor pense ter sido vivido por você. Se você diz que não, o leitor dirá: "Não minta, é você. É tão franco, tão convincente". E você diz: "É ficção". E ele: "Não, não". Está na essência da arte do romance fazer o leitor achar que o que aconteceu a Kemal ocorreu a Orhan também. Bem, deixe o leitor pensar assim. Mesmo se eu disser que não, pensarão que estou mentindo. Sim, eu estou mentindo, gosto de mentir, porque sou um ficcionista.

FOLHA.com

Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/il927573


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