São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2011

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cinema

CRÍTICA DRAMA

"Vênus Negra" extrai vigor de silêncios e expõe colonialismo

Produção francesa dirigida por tunisiano exibe história real de mulher africana explorada em jaula no século 19


POIS TUDO AQUI É QUESTÃO DE CRENÇA NA SUPERIORIDADE DE UMA EUROPA CIVILIZADA SOBRE UM MUNDO NEGRO


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Há um mistério no rosto de Saartjie, a bela negra apresentada em Londres e Paris com grande sucesso no início do século 19.
É uma espécie de silêncio, como se nada pudesse dizer essa mulher, objetivamente uma escrava tirada da Cidade do Cabo, onde trabalhava como doméstica a serviço daquele que a leva a Londres.
Do começo ao fim, Saartjie, ou Sarah, representa um papel: o da Vênus Hotentote, espécie de mulher-animal que, fechada em uma jaula, exibe suas formas para homens que a olham e tocam.
É verdade que seu primeiro senhor é processado em Londres. Poderia ir para a cadeia, não fosse o depoimento de Saartjie. Mas ele a revenderá a outro explorador, com quem chega a Paris.

INTERESSE DO REAL
Abdellatif Kechiche, autor do filme, é um diretor tunisiano que aqui trabalha com produção francesa, ele que há alguns anos realizou o notável "O Segredo do Grão". Aqui, busca um "filme de assunto", que tira parte de seu interesse do tema tratado.
No caso, uma história real não sem interesse para a compreensão, hoje, do que foi colonialismo.
E mesmo de sua subreptícia permanência, pode-se dizer. Pois tudo aqui é questão de crença na superioridade de uma Europa branca, cristã, civilizada, sobre um mundo negro, pagão, tribal. Não importa que isso seja alimentado por uma representação (Saartjie se crê todo o tempo uma artista): representações podem exprimir verdades, afinal.
Kechiche impõe seu ponto de vista quanto à questão colonial, sem dúvida. De outro ponto de vista, estritamente cinematográfico, Kechiche parece dar um passo atrás.
Sua "Vênus Negra" é bem menos radical que "O Segredo do Grão". Resta no filme esse vigor que vem, em parte, do silêncio de Saartjie: sinal de uma dor que não pode se expressar senão pelas lágrimas que irrompem em seu rosto.

VÊNUS NEGRA

DIREÇÃO Abdellatif Kechiche
PRODUÇÃO França/Itália/Bélgica, 2010
COM Yahima Torres, Andre Jacobs e Olivier Gourmet
ONDE no Festival Varilux de Cinema Francês (programação completa em festivalcinefrances.com)
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO bom


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