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"Não quero a visão inglesa de Shakespeare"
DA REPORTAGEM LOCAL
Além de ser o diretor artístico
do teatro Globe desde sua fundação em 1996, Mark Rylance, 40, é
também protagonista de várias
das peças apresentadas no teatro
nos últimos anos, inclusive da
atual montagem de "Hamlet",
que estreou em maio.
Leia trechos de entrevista à Folha, concedida por telefone, de
Londres.
(OD)
Folha - Por que o sr. convidou o
grupo Galpão para apresentar "Romeu e Julieta" no Globe?
Mark Rylance - A cada ano nós
chamamos uma companhia estrangeira que expresse Shakespeare com a sensibilidade de sua
própria cultura. Não queremos a
visão inglesa. É interessante ver
como as observações sobre a natureza humana presentes em suas
peças se mantêm vivas nas mais
diferentes culturas. E queremos
mostrar como Shakespeare atinge
o coração do ser humano.
Buscamos, então, companhias
que estejam enraizadas em suas
próprias culturas. Sei que o grupo
Galpão foi em busca das raízes européias de parte da cultura do
Brasil, ao estudar a comédia, por
exemplo, mas o que mais me impressionou foi a dedicação de levar Shakespeare para as pessoas,
para a praça pública.
É um aspecto muito importante
do teatro de Shakespeare, que se
esforçou em apresentar suas
grandes peças em lugares comuns, acessíveis a todos. O grupo
Galpão mostrará o que "Romeu e
Julieta" representa para os brasileiros, mas também resgatará
uma das práticas originais dos
atores de Shakespeare.
Folha - O sr. acha que o público
reagirá bem a "Romeu e Julieta"
em português?
Rylance - Sim, a peça é tão conhecida que até será refrescante
ouvi-la em outro idioma. O público poderá prestar atenção em outras coisas. E os brasileiros têm
qualidades diferentes das nossas,
que vivemos neste país frio. No
caso de "Romeu e Julieta", que se
passa na Itália, uma atuação mais
apaixonada pode ser interessante.
Folha - Após cinco anos de atividades, quais foram as conquistas?
Rylance - Estou muito contente
com a qualidade da audiência que
está vindo. É muito jovem e multicultural. Normalmente, as montagens de Shakespeare são na esfera da alta cultura, mas o Globe é
um espaço social. Temos 600 lugares a 5 libras (cerca de R$ 14)
para quem quiser ficar de pé.
O público pode comer, se manifestar à vontade, jogar coisas no
palco. Eu acho bom que as pessoas se sintam livres até para não
gostar de Shakespeare, para entrar e sair. Do contrário, vira uma
relação forçada. O Globe, com sua
arquitetura elisabetana, está trazendo de volta uma nova relação
entre os atores e a audiência, que
existia no tempo de Shakespeare.
Folha - Assisti a estréia da atual
montagem de "Hamlet" e fiquei
surpreso com a simplicidade. Por
que essa opção?
Rylance - Neste país, muitas
montagens de Shakespeare partem de um conceito ou uma idéia.
No Globe, as pessoas têm de ficar
de pé por três horas, e um conceito não basta para que elas façam
isso. O que mantém as pessoas de
pé por longo tempo é uma história bem contada. Por isso, tenho
tentado me focar na história, nos
momentos de suspense e de relaxamento, na mistura de comédia
e de tragédia.
O teatro atual também está
cheio de efeitos visuais, de iluminação, mas no Globe não temos
isso, pois representamos com luz
natural. Isso nos leva a voltar nossa atenção para a fala, que é onde
Shakespeare fez diferença. Nosso
objetivo não é montar Shakespeare exatamente como ele fazia, pois
sabemos que nunca chegaremos
lá. Mas achamos crucial ir em
busca de suas intenções.
Folha - Qual é a sua reação às críticas de que o Globe seria muito turístico?
Rylance - É ótimo que as pessoas
venham ao teatro quando estão
em férias, que se divirtam e vejam
coisas diferentes. Muitos críticos
estão atados à idéia do teatro conceitual, sobre o qual eles possam
escrever. E resistem ao fato de o
Globe ter o maior público de Londres no momento e ser um teatro
muito vivo. Para mim, há mais
humor e emoção no Globe do que
em outras oportunidades em que
interpretei Shakespeare.
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