São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Não quero a visão inglesa de Shakespeare"

DA REPORTAGEM LOCAL

Além de ser o diretor artístico do teatro Globe desde sua fundação em 1996, Mark Rylance, 40, é também protagonista de várias das peças apresentadas no teatro nos últimos anos, inclusive da atual montagem de "Hamlet", que estreou em maio.
Leia trechos de entrevista à Folha, concedida por telefone, de Londres. (OD)

Folha - Por que o sr. convidou o grupo Galpão para apresentar "Romeu e Julieta" no Globe?
Mark Rylance -
A cada ano nós chamamos uma companhia estrangeira que expresse Shakespeare com a sensibilidade de sua própria cultura. Não queremos a visão inglesa. É interessante ver como as observações sobre a natureza humana presentes em suas peças se mantêm vivas nas mais diferentes culturas. E queremos mostrar como Shakespeare atinge o coração do ser humano.
Buscamos, então, companhias que estejam enraizadas em suas próprias culturas. Sei que o grupo Galpão foi em busca das raízes européias de parte da cultura do Brasil, ao estudar a comédia, por exemplo, mas o que mais me impressionou foi a dedicação de levar Shakespeare para as pessoas, para a praça pública.
É um aspecto muito importante do teatro de Shakespeare, que se esforçou em apresentar suas grandes peças em lugares comuns, acessíveis a todos. O grupo Galpão mostrará o que "Romeu e Julieta" representa para os brasileiros, mas também resgatará uma das práticas originais dos atores de Shakespeare.

Folha - O sr. acha que o público reagirá bem a "Romeu e Julieta" em português?
Rylance -
Sim, a peça é tão conhecida que até será refrescante ouvi-la em outro idioma. O público poderá prestar atenção em outras coisas. E os brasileiros têm qualidades diferentes das nossas, que vivemos neste país frio. No caso de "Romeu e Julieta", que se passa na Itália, uma atuação mais apaixonada pode ser interessante.

Folha - Após cinco anos de atividades, quais foram as conquistas?
Rylance -
Estou muito contente com a qualidade da audiência que está vindo. É muito jovem e multicultural. Normalmente, as montagens de Shakespeare são na esfera da alta cultura, mas o Globe é um espaço social. Temos 600 lugares a 5 libras (cerca de R$ 14) para quem quiser ficar de pé.
O público pode comer, se manifestar à vontade, jogar coisas no palco. Eu acho bom que as pessoas se sintam livres até para não gostar de Shakespeare, para entrar e sair. Do contrário, vira uma relação forçada. O Globe, com sua arquitetura elisabetana, está trazendo de volta uma nova relação entre os atores e a audiência, que existia no tempo de Shakespeare.

Folha - Assisti a estréia da atual montagem de "Hamlet" e fiquei surpreso com a simplicidade. Por que essa opção?
Rylance -
Neste país, muitas montagens de Shakespeare partem de um conceito ou uma idéia. No Globe, as pessoas têm de ficar de pé por três horas, e um conceito não basta para que elas façam isso. O que mantém as pessoas de pé por longo tempo é uma história bem contada. Por isso, tenho tentado me focar na história, nos momentos de suspense e de relaxamento, na mistura de comédia e de tragédia.
O teatro atual também está cheio de efeitos visuais, de iluminação, mas no Globe não temos isso, pois representamos com luz natural. Isso nos leva a voltar nossa atenção para a fala, que é onde Shakespeare fez diferença. Nosso objetivo não é montar Shakespeare exatamente como ele fazia, pois sabemos que nunca chegaremos lá. Mas achamos crucial ir em busca de suas intenções.

Folha - Qual é a sua reação às críticas de que o Globe seria muito turístico?
Rylance -
É ótimo que as pessoas venham ao teatro quando estão em férias, que se divirtam e vejam coisas diferentes. Muitos críticos estão atados à idéia do teatro conceitual, sobre o qual eles possam escrever. E resistem ao fato de o Globe ter o maior público de Londres no momento e ser um teatro muito vivo. Para mim, há mais humor e emoção no Globe do que em outras oportunidades em que interpretei Shakespeare.



Texto Anterior: Galpão+Globe: Grupo mineiro de rua vai ao teatro de Shakespeare
Próximo Texto: Teatro consome US$ 18 milhões em reconstrução
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.