São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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ERUDITO

Música do Quarteto Alban Berg deixa ouvintes sem palavras

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

M úsica assim , e tão bem tocada, deixa a gente sem palavras. "O opus 130 de Beethoven, interpretado pelo Quarteto Alban Berg": uma frase como esta só aponta, neutramente, para as abstrações e afetos da memória. Mas a memória fala: em seu concerto, quinta-feira passada no teatro Cultura Artística, o Quarteto fez da música um ideal de maturidade e fez de cada um de nós também, por algumas horas, um ouvinte mais maduro e musical.
Relativamente pouco conhecido, o "Quarteto em Lá Menor" de Mendelssohn (1809-47) é uma das mais sofisticadas homenagens a Beethoven, de uma geração que, num certo sentido, não fez outra coisa senão homenageá-lo. Composto aos 18 anos de idade, o "Quarteto" revela os caminhos enviesados pelos quais Mendelssohn vai chegar a si mesmo, por meio de Beethoven.
As referências ao op. 132 do precursor são muito claras; há outras, também, ao op. 95 e ao op. 130 (que o Alban Berg interpretou na segunda parte). O emprego da fuga, num contexto de formas livres; a metamorfose de recitativo em polifonia e a transformação de pequenos motivos em grandes asserções; os ecos e ressonâncias entre um movimento e outro: tudo isso é uma façanha, entre original e reverencial, do criador adolescente. E o Quarteto Alban Berg suspendeu a música sofisticadamente nesse intervalo ambíguo entre as gerações.
A metamorfose, aqui, é a lei da composição. Metamorfose é a palavra-chave, também, para o "Quarteto de Cordas nº 4", "Le Temps Ardent", do compositor polonês Zbigniew Bargielski (1937). Uma nota grave do violoncelo, em "pizzicato", tira a música do nada; e, ao término de um percurso variado, passando por texturas que vão se transformando gradual ou subitamente umas nas outras, ela fecha o círculo, retornando ao silêncio.
O Quarteto, um dos raros conjuntos deste porte que se dedica sistematicamente à música contemporânea, extraiu o máximo de música dessa música que não chega ao máximo de si. Passagens em harmônicos, num sonho de cristal, foram especialmente bem tocadas. Tudo muito bom de ouvir. Mas passou.
O que não passa, na lembrança de ninguém, é o "Quarteto op. 130" de Beethoven (1770-1827), que o Alban Berg interpretou incluindo a "Grande Fuga" como último movimento. O Quarteto já gravou o op. 130 duas vezes: numa integral "ao vivo" dos quartetos de Beethoven e noutra, mais recente, em estúdio (ambas pelo selo EMI). Mas um disco é um disco é um disco; e um concerto é um concerto é um concerto. Nenhum gravador entende o que é o som desses dois violinos, viola e violoncelo.
A maturidade de voz, tão perseguida pelos poetas do romantismo, atinge nos últimos quartetos de Beethoven seu ponto de maior abstração e de maior simplicidade. Mas é preciso um quarteto tão vivido quanto o Alban Berg para dar conta desta gravidade leve, uma sabedoria maior do que qualquer palavra e, afinal, maior do que a própria música.
Tocada por eles, a "Grande Fuga" dá corpo e voz a essa sabedoria sem nome. O estilo chega aqui a um ponto enigmático, para além de classicismo e modernismo. Mas que, nem por isso, deixa de se enriquecer das nuances individuais do quarteto, que faz valer cada compasso como se fosse uma profecia. Música assim deixa a gente sem palavras.
Deixa a gente sem precisar de música por algum tempo. Deixa cada um cheio de música em que pensar, recompondo lentamente a vida sem música ao redor.



Quarteto Alban Berg
    
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (rua Nestor Pestana, 196, República, região central de SP, tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 40 a R$ 100




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