|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ERUDITO
Música do Quarteto Alban Berg deixa ouvintes sem palavras
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
M úsica assim , e tão bem tocada, deixa a gente sem palavras. "O opus 130 de Beethoven,
interpretado pelo Quarteto Alban
Berg": uma frase como esta só
aponta, neutramente, para as abstrações e afetos da memória. Mas
a memória fala: em seu concerto,
quinta-feira passada no teatro
Cultura Artística, o Quarteto fez
da música um ideal de maturidade e fez de cada um de nós também, por algumas horas, um ouvinte mais maduro e musical.
Relativamente pouco conhecido, o "Quarteto em Lá Menor" de
Mendelssohn (1809-47) é uma das
mais sofisticadas homenagens a
Beethoven, de uma geração que,
num certo sentido, não fez outra
coisa senão homenageá-lo. Composto aos 18 anos de idade, o
"Quarteto" revela os caminhos
enviesados pelos quais Mendelssohn vai chegar a si mesmo, por
meio de Beethoven.
As referências ao op. 132 do precursor são muito claras; há outras,
também, ao op. 95 e ao op. 130
(que o Alban Berg interpretou na
segunda parte). O emprego da fuga, num contexto de formas livres; a metamorfose de recitativo
em polifonia e a transformação de
pequenos motivos em grandes asserções; os ecos e ressonâncias entre um movimento e outro: tudo
isso é uma façanha, entre original
e reverencial, do criador adolescente. E o Quarteto Alban Berg
suspendeu a música sofisticadamente nesse intervalo ambíguo
entre as gerações.
A metamorfose, aqui, é a lei da
composição. Metamorfose é a palavra-chave, também, para o
"Quarteto de Cordas nº 4", "Le
Temps Ardent", do compositor
polonês Zbigniew Bargielski
(1937). Uma nota grave do violoncelo, em "pizzicato", tira a música
do nada; e, ao término de um percurso variado, passando por texturas que vão se transformando
gradual ou subitamente umas nas
outras, ela fecha o círculo, retornando ao silêncio.
O Quarteto, um dos raros conjuntos deste porte que se dedica
sistematicamente à música contemporânea, extraiu o máximo de
música dessa música que não chega ao máximo de si. Passagens em
harmônicos, num sonho de cristal, foram especialmente bem tocadas. Tudo muito bom de ouvir.
Mas passou.
O que não passa, na lembrança
de ninguém, é o "Quarteto op.
130" de Beethoven (1770-1827),
que o Alban Berg interpretou incluindo a "Grande Fuga" como
último movimento. O Quarteto já
gravou o op. 130 duas vezes: numa integral "ao vivo" dos quartetos de Beethoven e noutra, mais
recente, em estúdio (ambas pelo
selo EMI). Mas um disco é um
disco é um disco; e um concerto é
um concerto é um concerto. Nenhum gravador entende o que é o
som desses dois violinos, viola e
violoncelo.
A maturidade de voz, tão perseguida pelos poetas do romantismo, atinge nos últimos quartetos
de Beethoven seu ponto de maior
abstração e de maior simplicidade. Mas é preciso um quarteto tão
vivido quanto o Alban Berg para
dar conta desta gravidade leve,
uma sabedoria maior do que
qualquer palavra e, afinal, maior
do que a própria música.
Tocada por eles, a "Grande Fuga" dá corpo e voz a essa sabedoria sem nome. O estilo chega aqui
a um ponto enigmático, para
além de classicismo e modernismo. Mas que, nem por isso, deixa
de se enriquecer das nuances individuais do quarteto, que faz valer cada compasso como se fosse
uma profecia. Música assim deixa
a gente sem palavras.
Deixa a gente sem precisar de
música por algum tempo. Deixa
cada um cheio de música em que
pensar, recompondo lentamente
a vida sem música ao redor.
Quarteto Alban Berg
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (rua
Nestor Pestana, 196, República, região
central de SP, tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 40 a R$ 100
Texto Anterior: "Hitler no 3º Mundo" intervém na cena nacional dos anos 60 Próximo Texto: Armorial: Suassuna recria almanaque e folhetim Índice
|