São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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Comida

Os segundos

Geovane Carneiro, David Maurício e Carolina Brandão... Quem?

Conheça os subchefs de três dos mais importantes restaurantes de São Paulo

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Geovane Carneiro, 33, era balconista de um boteco em Pinheiros. Servia cachaça, cafezinho e, vez ou outra, assumia a chapa. Quando o cozinheiro faltava, ia para o fogão, fazer coxinha e o "básico": arroz, feijão, batata, farofa, feijoada.
Um dia, foi apresentado por um cliente ao chef Michel Darqué. Geovane expressou o desejo de "progredir um pouco", e Darqué lhe ofereceu um emprego como copeiro no extinto restaurante 72, no Itaim Bibi.
No novo trabalho, descobriu que copeiro não fica no bar, fazendo drinques, mas na pia, lavando louça. Não esmoreceu. Todos os dias, limpava tudo o "mais rápido possível" e oferecia ajuda a quem precisasse, enquanto observava cada ação.
Em cinco meses, livrou-se da pia. Virou cozinheiro e, de lá, foi para o Na Mesa, onde começou os ensaios para subchef. Subchef? Geovane tem hoje um emprego cobiçado. É o braço direito de Alex Atala, o segundo, por assim dizer, no organograma do D.O.M, o mais premiado restaurante brasileiro.
"Logo vimos que ele tinha talento. Trabalhava na pia e, em qualquer folguinha, em vez de descansar e enrolar, que é o normal das pessoas, ia ajudar na cozinha. Aprendeu rápido", conta Atala, 40. "É um buda na cozinha. Não faz barulho, é metódico, minucioso. Tem um respeito absurdo. As pessoas ajoelham para ele. É comum os estagiários saírem daqui falando que fizeram estágio com o Geovane, não com o Alex."
Tímido, Geovane chega para a conversa. Não está acostumado com fotos e entrevistas. Aos poucos, se solta. Conta que teve de aprender "na marra". "Entrei na cozinha, mas não conhecia nada. Tudo o que eu via era novo. Praticamente todos os sabores foram descobertas para mim", diz Geovane. "Antes, ele não fazia idéia do que era trufa. Hoje, escolhe trufa melhor do que eu", completa Atala, que se refere a Geovane como "chef". "Ele é extremamente detalhista, tem sensibilidade para os ingredientes. E os guisados, faz melhor do que eu."
A relação de confiança hoje é tão grande que, além de se entenderem "só pelo olhar", Atala fica "absurdamente tranqüilo" quando tem de se ausentar.
"Não foi da noite para o dia. Foi um processo de afinação", diz. "No meu livro novo ["Escofianas Brasileiras'], o Geovane está na página de agradecimento, porque 50% do que eu sou, reputo a ele. A melhor comida de um restaurante não é a que o chef faz, é a que o chef extrai de uma equipe. E esse processo começa com o subchef."

Teste de resistência
Antes de se tornar subchef do Pomodori, a vida de David Maurício, 29, também não foi das mais fáceis. Teve de "ralar muito", nas palavras de Jefferson Rueda, 30, chef e sócio da casa. "Peguei muito no pé dele. Não dava mole, porque era um teste. Queria ver até onde ia."
Os dois se conheceram na cozinha do Madelleine -Rueda já era chef, e David, estagiário. Pouco tempo depois, o chef saiu para montar o Pomodori e levou só uma parte da equipe -pequena, a cozinha não comportaria todos. David, um dos mais novo, não foi com eles.
"Mas, quando o destino está traçado, está traçado. Três meses depois, meu cozinheiro estourou o joelho e ia ficar fora oito meses. Aí, o David veio e foi conquistando o espaço dele."
A primeira "promoção" do então cozinheiro foi a "chefe das geladeiras". Depois, com a saída de Ivo Lopes (à época subchef e hoje no Due Cuochi), David virou o braço direito.
"Ele foi conquistando um a um. Todos o respeitam, porque ele tem um grande senso social, carisma, e é didático. Hoje, o que ele fala é lei", conta Rueda.
David, que aprendeu a cozinhar com o pai, aos nove anos, não esperava se tornar subchef, mas diz que fez "muito por merecer". "Cada vez mais ele [Rueda] me dá liberdade. É uma troca. Me cobra bastante, mas dá muita carta-branca."
Hoje, David faz o próprio horário e toca o Pomodori quando Rueda não está. "O maior choque foi quando comecei a fazer meus primeiros menus-degustação sozinho", lembra.

Uma levanta, a outra corta
Depois de oito anos de convívio, entre idas e vindas, Carolina Brandão, 27, não é mais tratada como "a subchef de Carla Pernambuco". "A gente não tem isso. Sou muito inventora de moda...", diz Carla, 48, chef e dona do Carlota. Carolina completa: "Fica levantando...". Carla emenda: "É, estou sempre levantando, e a Carol corta".
A afinidade, revelada até na maneira como uma completa o pensamento da outra, começou quando Carolina foi fazer estágio no Carlota. "Ela foi incrível. Perguntei se queria ficar quando terminasse o curso, e aí voltou contratada", lembra Carla.
Hoje, depois de um tempo fora -foi estudar no Canadá, passou uma temporada com Francis Mallmann e trabalhou no Paola di Verona-, Carolina assumiu bem mais responsabilidades no Carlota. Supervisiona a filial no Rio, administra o Studio 768, é co-autora do livro "As Doceiras", faz viagens de pesquisa ao exterior com a chef e será sócia de Carla em uma nova casa. "Tenho a impressão de que todo mundo que começa trabalhando com um chef já se agiliza porque quer ter um restaurante. Eu não consigo me ver separada do Carlota", diz.
Carla retribui: "Não é que você, como chef, sabe tudo. Às vezes, o sub sabe uma coisa que você não sabe. Para mim, a Carol é complementar. A gente anda numa sintonia".

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