São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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PERFIL HARPER LEE

A best-seller silenciosa

Há 50 anos, a escritora norte-americana Harper Lee publicava "O Sol É para Todos" e, pouco depois, mergulhava numa reclusão que dura meio século; repórter vai ao Alabama entender a razão

Donald Uhrbrock/Getty Images
A romancista norte-americana Harper Lee fuma um cigarro na casa de seus pais em Monroeville, Alabama, em 1961

SHARON CHURCHER
DO "DAILY MAIL"

Apesar dos óculos de sol grossos e pretos, há algo de familiar na mulher frágil de 84 anos que é auxiliada a caminhar até o lago.
Um sorriso percorre seu rosto quando os patos e gansos a cercam para bicar os pedaços de pão trazidos do lar para idosos onde vive em um apartamento modesto.
Trajando camiseta limpa, mas gasta, e calças de algodão soltas, ela mal atrai o olhar dos transeuntes.
Mas seu rosto está na capa de um livro que já fascinou mais de 40 milhões de leitores pelo mundo e que várias vezes foi classificado como um dos dez mais importantes publicados no século 20.
Ela é Harper Lee, cujo único livro, "O Sol É para Todos" (1960), recebeu um Prêmio Pulitzer, foi traduzido em quase 50 línguas e levado ao cinema em um filme homônimo de 1962 estrelado por Gregory Peck e premiado com o Oscar. Além disso, converteu Harper em multimilionária.
Eu me aproximo da escritora com nervosismo, carregando uma caixa dos melhores bombons que consegui encontrar na cidadezinha de Monroeville, no Alabama.
Começo a me desculpar por não ter trazido mais, mas, sorridente, Nelle -como os amigos e familiares a chamam- me estende a mão. "Muito obrigada", ela me diz. "Você é gentil."

50 ANOS
Foi uma conversa breve, mas isso não surpreende. Harper tem dito muito pouco desde a publicação de "O Sol É Para Todos", que completa amanhã 50 anos. Não escreveu mais nada desde então, excetuando alguns contos no início dos anos 1960.
No aniversário do lançamento do livro, milhares de fãs do livro vão se reunir em Monroeville para um festival de três dias que vai celebrar sua obra.
Ninguém espera que Harper faça um discurso de boas-vindas a eles. Na verdade, ela passou as últimas cinco décadas vivendo em isolamento quase total.
Mesmo quando viajou à Casa Branca para receber um prêmio do presidente George W. Bush, há três anos, ela o fez sob a condição de que não responderia a perguntas nem faria discurso de aceitação.

DINHEIRO
Ninguém sabe o que ela faz com seu dinheiro. Os amigos dizem que bens materiais não têm importância para ela e que, se doa para caridade, ela o faz de modo anônimo.
Durante boa parte dos últimos 50 anos, Harper Lee evitou a formalidade e o racismo de seu Estado natal, o Alabama, vivendo em um apartamento minúsculo no Upper East Side, em Manhattan.
Apenas agora, perto do fim de seus dias, ela voltou para viver em uma residência para idosos em Monroeville, a cidade de sua infância.
Fui ao Alabama em uma tentativa de encontrar resposta ao porquê de ela -assim como outra grande lenda literária americana, J.D. Salinger, morto em janeiro- ter passado quase meio século em silêncio.
Seus amigos concordaram em nos apresentar sob uma condição: que eu não mencionasse "O Livro".
Com base em algumas declarações feitas ao longo dos anos, muitos comentaristas atribuíram a vida solitária de Harper e o fato de ela não ter lançado outro livro desde "O Sol É para Todos" ao alarme que lhe suscitou a maré enorme de elogios pelo texto.
Nele, o preconceito racial acirrado do Sul dos Estados Unidos é testemunhado por uma menina, Scout.
Outros sugeriram que Lee talvez tivesse estofo para produzir só um grande livro e que sabia que qualquer tentativa subsequente seria vista como decepcionante.
Mas, de acordo com confidentes dela, o que realmente pesou foi a tristeza duradoura que lhe provocam os temas subjacentes à obra.


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