São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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livros

CRÍTICA ROMANCE

Updike volta a Eastwick em fábula sombria dos anos 00

As bruxas agora estão idosas e desiludidas e enfrentam um "veado gordo"

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "As Viúvas de Eastwick" (2008), John Updike (1932-2009) retoma um de seus livros mais conhecidos, "As Bruxas de Eastwick" (1984), cuja adaptação para cinema teve enorme sucesso.
Nesse primeiro romance, ambientado numa pequena cidade costeira de Rhode Island, no final dos anos 60, três donas de casas convencionais, com maridos e muitos filhos, são seduzidas por um estranho misterioso, com traços demoníacos, que chega à cidade.
Tornam-se suas amantes e entregam-se a noites de sexo, bebidas e bruxarias.
O humor delicioso e os diálogos cortantes, ressaltados pela prosa realista estilizada, começam a enegrecer quando o estranho se casa com uma amiga delas, mais jovem e ingênua, despertando os ciúmes e a fúria das antigas amantes.
Reunidas num sabá, lançam uma maldição sobre a garota, levando-a à morte.
Em seguida, abandonam a cidade escandalizada, não sem antes invocarem novos maridos, em outros Estados americanos, que lhe são prontamente concedidos.

SEPTUAGENÁRIAS
Quase 40 anos depois, na era Bush, as três mulheres, septuagenárias, já são todas viúvas do segundo marido.
Os filhos estão casados e vivem com as próprias famílias, longe delas. Solitárias, acabam se reaproximando.
Após algumas típicas excursões turísticas juntas, que acentuam a natureza inapelável que as arrasta para o fim, decidem retornar a Eastwick, em parte por culpa do mal que fizeram, um pouco para reencontrar a energia que lhes falta.
Não demora para que voltem a invocar o "cone do poder". Apenas que, desta feita, para fazer magia branca, dando fertilidade a uma casada infeliz, curando a mão estropiada de um amante.
Nada disso as salva de enfrentar a vingança do irmão da jovem assassinada por elas: um "veado gordo" que havia se tornado amante do velho demônio e, com ele, aprendera mágicas à base de elétrons e física quântica.
O viés simbólico do romance é claro: se, na virada dos anos 60, a classe média americana absorvia a seu modo a liberação sexual e a afirmação feminista, de forma que as mulheres trataram de cuidar de si mesmas deixando em segundo plano maridos e filhos, os anos 2000 são o seu contrapasso.
Pesa sobre essa geração a traição da inocência e o abandono do outro em favor do ego. A culpa pelos filhos medíocres, carentes ou drogados secreta a melancolia que, potencializada diante da morte, atinge não só os corpos envelhecidos como a vida social pasteurizada.
A falta de graça contamina a natureza inteira, que expõe seu lado mais amedrontador.
A questão a ser enfrentada pelas velhas bruxas já não é a da liberação ou prazer, mas a da sobrevivência. É o aperto em que nos deixa Updike em seu último romance.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp



AS VIÚVAS DE EASTWICK

AUTOR John Updike
TRADUÇÃO Fernanda Abreu
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 54 (360 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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