|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
livros
CRÍTICA ROMANCE
Updike volta a Eastwick em fábula sombria dos anos 00
As bruxas agora estão idosas e desiludidas e enfrentam um "veado gordo"
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "As Viúvas de Eastwick" (2008), John Updike
(1932-2009) retoma um de
seus livros mais conhecidos,
"As Bruxas de Eastwick"
(1984), cuja adaptação para
cinema teve enorme sucesso.
Nesse primeiro romance,
ambientado numa pequena
cidade costeira de Rhode Island, no final dos anos 60,
três donas de casas convencionais, com maridos e muitos filhos, são seduzidas por
um estranho misterioso, com
traços demoníacos, que chega à cidade.
Tornam-se suas amantes e
entregam-se a noites de sexo,
bebidas e bruxarias.
O humor delicioso e os diálogos cortantes, ressaltados
pela prosa realista estilizada,
começam a enegrecer quando o estranho se casa com
uma amiga delas, mais jovem e ingênua, despertando
os ciúmes e a fúria das antigas amantes.
Reunidas num sabá, lançam uma maldição sobre a
garota, levando-a à morte.
Em seguida, abandonam a
cidade escandalizada, não
sem antes invocarem novos
maridos, em outros Estados
americanos, que lhe são
prontamente concedidos.
SEPTUAGENÁRIAS
Quase 40 anos depois, na
era Bush, as três mulheres,
septuagenárias, já são todas
viúvas do segundo marido.
Os filhos estão casados e
vivem com as próprias famílias, longe delas. Solitárias,
acabam se reaproximando.
Após algumas típicas excursões turísticas juntas, que
acentuam a natureza inapelável que as arrasta para o
fim, decidem retornar a Eastwick, em parte por culpa do
mal que fizeram, um pouco
para reencontrar a energia
que lhes falta.
Não demora para que voltem a invocar o "cone do poder". Apenas que, desta feita,
para fazer magia branca,
dando fertilidade a uma casada infeliz, curando a mão
estropiada de um amante.
Nada disso as salva de enfrentar a vingança do irmão
da jovem assassinada por
elas: um "veado gordo" que
havia se tornado amante do
velho demônio e, com ele,
aprendera mágicas à base de
elétrons e física quântica.
O viés simbólico do romance é claro: se, na virada
dos anos 60, a classe média
americana absorvia a seu
modo a liberação sexual e a
afirmação feminista, de forma que as mulheres trataram
de cuidar de si mesmas deixando em segundo plano
maridos e filhos, os anos
2000 são o seu contrapasso.
Pesa sobre essa geração a
traição da inocência e o
abandono do outro em favor
do ego. A culpa pelos filhos
medíocres, carentes ou drogados secreta a melancolia
que, potencializada diante
da morte, atinge não só os
corpos envelhecidos como a
vida social pasteurizada.
A falta de graça contamina
a natureza inteira, que expõe
seu lado mais amedrontador.
A questão a ser enfrentada
pelas velhas bruxas já não é a
da liberação ou prazer, mas a
da sobrevivência. É o aperto
em que nos deixa Updike em
seu último romance.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria
literária na Unicamp
AS VIÚVAS DE EASTWICK
AUTOR John Updike
TRADUÇÃO Fernanda Abreu
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 54 (360 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Texto Anterior: Livros: Crítica/Contos: "Os Anões" mistura formatos e traz o que não deveria estar ali Próximo Texto: Painel das letras Índice
|