São Paulo, sexta, 10 de julho de 1998

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LITERATURA
Para crítico, Shakespeare era bêbado selvagem

ALESSANDRA BLANCO
de Nova York

Como alguém pode ter a ousadia de questionar por que Marcel Proust levou 30 páginas de um de seus livros da coleção "Em Busca do Tempo Perdido" para descrever como o personagem se virava na cama antes de dormir?
Ou então dizer que o que Walt Whitman fazia não pode ser chamado de poesia, que Gustave Flaubert não era escritor, que, para o seu próprio bem, D.H. Lawrence não deveria publicar seus livros ou que o trabalho de Shakespeare parecia o de um bêbado selvagem?
Se isso pode servir de consolo para algum escritor, todos os chamados "grandes nomes da literatura" já tiveram trabalhos massacrados por críticos, editores e até por outros "grandes nomes".
Essas críticas e as próprias cartas de rejeições de publicações dos seus livros foram reunidas pelos editores Bill Henderson e André Bernard, da Puschcart Press, em "Rotten Reviews and Rejections" (Críticas Podres e Rejeições), livro recém-lançado nos EUA.
Trata-se de críticas de época, comentários e desencorajamentos de publicações de escritores norte-americanos e europeus, datadas desde 411 antes de Cristo.
Proust, por exemplo, não recebeu apenas uma carta de um editor ironizando e rejeitando o seu trabalho, mas de todos os outros que procurou e só conseguiu publicar as 800 páginas do seu "Em Busca do Tempo Perdido" porque pagou para isso.
Até o final do século 18, Shakespeare era frequentemente alvo de críticos e escritores. Não só Voltaire comparou seu trabalho ao de um selvagem bêbado. Para George Bernard Shaw, "Othello" era um "puro melodrama", e "Antonio e Cleópatra" era "cheio de falsas caracterizações".
Críticas de grandes escritores em relação a outros eram, aliás, comuns. Emile Zola achava que "As Flores do Mal", de Charles Baudelaire, seriam lembradas no futuro apenas como curiosidade. Virginia Woolf não gostou de "Ulysses", de James Joyce, Gertrude Stein falava mal de Ezra Pound, Lord Byron também não gostava de Shakespeare, Ernest Hemingway criticou Gertrude Stein, Henry James criticou Walt Whitman e assim infinitamente.
Isso sem falar nas críticas propriamente ditas de jornais e revistas. Para o "The Odessa Courier", por exemplo, "Anna Karenina", de Tolstói, era um "lixo sentimental". "Mostre-me uma página que contenha uma idéia", dizia o artigo. Segundo a "New Statesman", "Criação", de Gore Vidal, era um livro "fabricado" e não "criado".
Na crítica de "Athenaeum", "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, foi descrito como "doentio, vicioso (apesar de não exatamente o que é chamado de 'inconveniente') e tedioso".
Wilde, aliás, ao submeter a um editor o livro "Lady Windermere's Fan", em 1892, recebeu a seguinte resposta: "Meu querido senhor, li seu manuscrito. Oh, meu querido senhor".
As rejeições são a melhor -ou pior- parte do livro. Como justificativa de por que não publicaria "O Retrato de uma Mulher", de Ezra Pound, uma editora lhe enviou a seguinte observação: "A linha inicial contém muitos erres".
Uma outra editora mandou a John Le Carré, em 1963, uma carta dizendo que ele não tinha nenhum futuro. Para um outro editor, o best seller "O Diário de Anne Frank", que chegou a virar peça na Broadway, em Nova York, não tinha nenhuma chance de vender porque "a garota, me parece, tem uma percepção especial ou sentimento que elevaria o livro além do nível de 'curiosidade"'.
Nessa linha best sellers, também Agatha Christie e Mary Higgins Clark, as campeãs de vendas nos EUA, tiveram livros seus rejeitados por editoras que, em ambos os casos, não consideraram seus personagens interessantes.
E, para encerrar as "críticas podres", Emily Dickinson só teve sete de seus poemas publicados em vida. Isso porque o crítico Thomas Wentworth Higginson, da "Atlantic Monthly", se tornou seu "amigo", mas aconselhou-a a jamais tentar ter um de seus trabalhos publicados. Depois da morte de Dickinson, suas correspondências com Higginson vieram enriquecer sua obra.

Livro: Rotten Reviews and Rejections Organizadores: Bill Henderson e André Bernard Lançamento: Puschcart Press Onde encomendar: livraria Cultura (www.livcultura.com.br) e Amazon (www.amazon.com)



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