São Paulo, sexta, 10 de julho de 1998

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NINA, A JOVEM ATRIZ
Fernanda Torres come 'pão que o diabo amassou'

da Reportagem Local

Fernanda Torres tem o papel mais difícil de "A Gaivota": Nina, a jovem atriz que deseja a fama e faz o que for preciso. Para a atriz que faz a atriz, a primeira impressão, de um personagem ingênuo, passou logo. E a dimensão de Nina impressiona. "Eu não tinha idéia", diz. (NS)

Folha - Como você está criando a Nina? Você está usando alguma identificação com ela?
Fernanda Torres -
O objetivo de montar a "Gaivota" tem a ver com isso. A mistura entre o personagem e o ator é total. Eu li a Nina quando tinha 13 anos e tinha uma identificação com ela, mas no romantismo. Fui fazer a Nina com 32. E, quando reli, eu disse: "Não vai dar, é muito ingênua, eu vou ter que aproximar ela de mim". Eu achava que ia mudá-la. Quando a gente começou a ensaiar... É tão maluco o Tchecov, ele tem um sentido oculto tão severo. Eu digo que fui tendo um processo de reconstituição de hímen (ri).
Folha - Ela não é romântica?
Torres -
Ela é carreirista. Tem um lado dela, embora camuflado pela heroína romântica, que faz o que for para sair daquele buraco. Ela pergunta ao cara sobre a fama. Ela tem um erro crasso. E eu vi que a Nina deve ser feita por alguém de 30. Você só entende a curva dela depois que come o pão que o diabo amassou. Depois que sofre com as imperfeições, com a insatisfação com você mesmo. É o que ela diz. Eu não achava um personagem tão interessante. Mas fui ficando impressionada com a dimensão dela. Eu não tinha idéia.
Folha - Comer o pão que o diabo amassou é uma fala da peça. Mas você não comeu o pão que o diabo amassou.
Torres -
Ah, eu comi o pão que o diabo amassou. Eu desde criança sou conhecida, porque sou filha da minha mãe.
Folha - Pois é.
Torres -
Mas eu passei por uma coisa impressionante. A minha existência não é necessária. É muito difícil você dizer que vale a pena a sua existência, com o mesmo nome, a mesma profissão de uma pessoa que realizou isso inteiramente.
E, depois, eu fiz todas essas confusões da Nina. A "Selva de Pedra" foi a minha confusão da fama. Depois o cinema brasileiro acabou. Eu tive que me reinventar no teatro. O pão que o diabo amassou. E a coisa de você se lançar no mundo e voltar à sua origem, se reentender. Esse é o nó da profissão. Não é ter fama ou não. Eu perseverei, como ela diz.
Folha - Eu ouço falar de você como se fosse uma atriz cômica.
Torres -
Cada ala acha uma coisa. Comigo acontecem boas. A mulher do Abujamra viu o ensaio e disse para ele: "Que surpresa a Fernandinha". E ele, para mim: "Falam muito da surpresa". E eu: "Olha, eu surpreendo há uns 20 anos. As pessoas sempre acham que, naquele trabalho, eu finalmente estou me revelando" (ri). É um moto-contínuo na minha vida. Não no cinema, mas no teatro.
E eu venho do Rio, peguei uma veia cômica grande. Ao mesmo tempo, fui criada em coxia com a mamãe. Percebo que naquele outro pedal existe algo. Mas cada um acha uma coisa de mim. Nem eu sei o que eu acho de mim.



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