São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Alexandre Durão/Folha Imagem
Parece estranho usar cachecol com camiseta, mas Thiago ensaia na quarta-feira com dor de garganta

de realengo à realeza

Primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres, Thiago Soares começou dançando hip hop, ganhou ouro em Moscou e recebeu os cumprimentos da rainha. Agora, está no Brasil para seis apresentações. Por Paulo Sampaio

Em maio de 2007, a rainha da Inglaterra esteve nos bastidores da Royal Opera House, o teatro das apresentações clássicas em Londres, especialmente para cumprimentar o carioca Thiago Soares, primeiro bailarino do prestigiadíssimo Royal Ballet inglês.

 

Vencedor em 2001 do Concurso Internacional de Balé do Teatro Bolshoi, na Rússia, que no passado lançou nomes como Mikhail Baryshnikov e Alicia Alonso, Thiago já tinha recebido uma medalha do ex-primeiro ministro francês Jacques Chirac e, mais recentemente, foi homenageado na Casa Rosada pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e pelo marido, Néstor.

 

"Eu não conheço pessoalmente o Lula. Mas, também, por que ele me receberia, né? A não ser que viesse assistir ao meu espetáculo", diz Thiago, com certa ingenuidade, depois de mostrar em seu iPhone uma foto sua com o príncipe Charles. "Ele convidou o balé para passar o dia no campo. As meninas ficaram animadas achando que iam ver o príncipe William, mas ele não estava lá."

 

E como foi a conversa com Charles? "Ele é muito político. Fala "perhaps" (talvez) o tempo todo", diz Thiago, que está no Brasil para apresentações em seis capitais, incluindo São Paulo, no dia 26.

 

Nascido em Realengo, subúrbio carioca, filho de um vendedor de carros e de uma dona-de-casa, Thiago, 27, cresceu em Vila Isabel, estudou em colégios públicos e freqüentou concursos de dança de rua, como hip hop, dos 11 aos 15. Para os padrões tradicionais, iniciou no balé clássico "atrasadíssimo".

 

"O ideal é que um bailarino comece aos oito anos. Por isso, o caso dele é ainda mais surpreendente", diz a bailarina Ana Botafogo. Além do talento natural e do físico privilegiado, Ana diz que "ele conduz maravilhosamente uma bailarina". "Você sabe: a gente pode parecer uma pluma ou um elefante, dependendo de quem leva."

 

Paradoxalmente, Thiago credita boa parte de seu sucesso à falta de expectativa. Como não teve empurrão da família e começou tudo do zero, ele dispunha de mais liberdade para errar. "Eu não tinha nada a perder. Participava daqueles concursos como uma criança que pula do escorregador sem medo de quebrar o dente."

 

"O Thiago não se dava conta das próprias possibilidades. À medida que foi se descobrindo, encantou-se e não parou mais", diz a coreógrafa Dalal Achcar, que era diretora artística do Municipal carioca quando Thiago ganhou o concurso em Paris e passou a fazer parte do corpo de baile do teatro. Para Dalal, uma das qualidades de Thiago, depois de conseguir reconhecimento internacional, é manter sua fidelidade às origens do subúrbio.

 

"Sou um brasileiro vivendo em Londres. O preço mais alto que paguei foi abandonar meu país. Investi o máximo em muito pouco tempo", diz Thiago. Na Inglaterra há seis anos, ele afirma que sua vida é OK, mas deixa claro que não morre de amores pelos ingleses.

 

"Sinto falta dessa liberdade do carioca de dizer o que pensa. Lá eles são muito formais, tem aquela coisa do "double meaning", as pessoas falam uma coisa pensando em outra."

 

Thiago não conta o salário, mas diz que um bailarino do corpo de baile do Royal Ballet (bem abaixo dele) recebe em média 40 mil pounds por ano. Para obter o valor em real, multiplica-se por 3,10 (na cotação de quinta-feira). Ele reforça os rendimentos desfilando para grifes como Armani, posando para fotos de campanhas da joalheria Van Cleef & Arpels e enfeitando festas .

 

E como gasta? "Gosto de roupas", diz ele, que está com jeans Forum, camisa Zara, jaqueta Dolce & Gabbana, sapatilhas Dior e óculos Tom Ford.

 

Quando se fala do preconceito machista que um bailarino pode enfrentar, Thiago, que mantém a atitude altiva do garotão de subúrbio carioca, ri. "Outro dia um cara me reconheceu, queria me cumprimentar, mas ficou tenso, apertou minha mão de longe."

 

Noivo da bailarina argentina Marianela Nuñez, 26, Thiago conta que costuma dizer aos amigos: "Continua a fazer judô, cara, que balé é coisa de macho. A gente sai todo quebrado, contundido, não é moleza."

 

No Rio, onde passou o dia com a Folha, Thiago está confortavelmente instalado em uma edícula de luxo no casarão de Alex e Sandra Heagler, amigos socialites de Dalal, no Leblon. "Gosto daqui [para morar]", diz ele, que pretende comprar uma casa na cidade (o preço do m2 ali pode chegar a R$ 12 mil).

 

A entrevista foi marcada para às 9h30, mas ele ainda está dormindo. Diz que passou mal à noite ("garganta"); à tarde, pega no sono e esquece a reportagem. O caseiro vai chamá-lo. "O Thiago chega todo dia de manhãzinha", diz, sem maldade.

 

Thiago Soares estréia no Rio, dia 18. A apresentação em Brasília, presidente Lula, é dia 21.

"[Diz aos amigos]: Continua a fazer judô, cara, que balé é coisa de macho. A gente sai todo quebrado, contundido, não é moleza"


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