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Crítica/"A Arte do Teatro: Aulas de Anatol Rosenfeld"
Anatol Rosenfeld fez toda uma geração aprender a pensar
Um dos maiores críticos teatrais em São Paulo, alemão tem suas aulas vertidas em livro a partir de notas taquigrafadas
SÉRGIO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O alemão Anatol Rosenfeld (1912-1973) ajudou muita gente a pensar por conta própria.
Ainda hoje, é o crítico teatral
mais importante na formação
dos artistas de minha geração
em São Paulo. Depoimentos
dos que o conheceram dizem
que a mesma independência
dos seus notáveis escritos marcava a prática do professor: preferia dar aulas em casas de amigos a manter vínculos institucionais que pusessem em risco
sua autonomia intelectual. A
distância que mantinha das
normatizações filosóficas era
semelhante à aversão que tinha
em face de qualquer instrumentalização do homem.
Nas páginas de "A Arte do
Teatro: Aulas de Anatol Rosenfeld", feitas de notas taquigrafadas por Neusa Martins, encontram-se os lados complementares de sua atitude intelectual. São lições de introdução de teatro. Foram ministradas em 1968, no Instituto de
Arte e Decoração de São Paulo.
O caráter panorâmico não
impede o alto nível da exigência
analítica e interpretativa. Ao
comentar o trabalho de Brecht
em "Mãe Coragem", ele como
que define o próprio ideal de
dialogar com o espectador mais
simples: "Há grande complexidade mas também grande simplicidade, como em todas as
grandes peças e obras de arte,
nas quais a simplicidade exterior revela, se examinada em
profundidade, uma multiplicidade de planos".
Para Rosenfeld, um olhar crítico sobre a arte deve partir de
um interesse amoroso pela dimensão objetiva da obra, que,
no caso do teatro, se realiza na
representação, na relação simbólica que surge da interação
entre o ator vivo e o público.
Mas para observar, como disse Brecht, é preciso comparar.
Daí o recurso deliberado a uma
ciência perdida, a dos gêneros.
De que serviria, em tempos
pós-estruturalistas, recorrer à
divisão entre épica, lírica e dramática, ou às definições de tragédia e comédia?
Rosenfeld usa categorias
clássicas como elementos pedagógicos de transição. Ao fim
das contas, é a leitura histórica
das formas que prevalece: "É
preciso encontrar novas formas de tratar uma problemática nova". O passado é evocado
na perspectiva do avanço. A
dialética da forma se alia à formação do olhar crítico.
Encontra-se nas suas lições
uma afirmação da estética que
tem algo de negação. Na comédia clássica, patético é o intelectual que se fixa em conceitos
ideais e não consegue se adaptar ao mundo trivial.
Em Pirandello, Rosenfeld vê
sentido parecido: triste daquele
que se fixa de modo angustioso
no comportamento social e se
identifica com a máscara. Sendo o teatro uma arte da "conversão no outro", ele deve servir ao exercício moral, nos termos de Kant, para quem "não
se deve usar outro ser humano
como meio, mas como fim". Em
1968, o crítico tinha clareza sobre seus critérios progressistas.
Daí a sátira ao conservadorismo de Aristófanes ou o desprezo pela incultura reacionária de
Nelson Rodrigues.
Eram tempos em que a questão fundamental a ser enfrentada pelo teatro era a objetualização da vida, o esmagamento
do homem, sua conversão em
produto, o fato de que "nada escapa de ser mercadoria, nem a
própria realidade, que pode ser
multiplicada". Há muito mais o
que fazer antes da proclamação
das impossibilidades: "É mistificação a transferência do infortúnio histórico para o infortúnio metafísico".
Contra as mistificações, seu
exemplo segue vivo.
SÉRGIO DE CARVALHO é dramaturgo e diretor
da Companhia do Latão
A ARTE DO TEATRO: AULAS DE
ANATOL ROSENFELD
Autor: Anatol Rosenfeld
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 34,90 (408 págs.)
Avaliação: ótimo
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