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"NÃO CONTE A NINGUÉM"
Drama peruano retrata sociedade machista
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O primeiro erro a evitar é ver
em "Não Conte a Ninguém" um
filme sobre homossexualismo.
Baseado no romance autobiográfico "No Se lo Digas a Nadie",
do escritor peruano Jaime Baily, o
filme mostra de fato a formação
de um jovem da alta burguesia limenha que muito cedo descobre
sua inclinação homossexual.
Mas seu foco, como o do livro,
aponta menos para a sexualidade
de Joaquin (Santiago Magill) do
que para seu sufocante entorno: a
sociedade patriarcal, autoritária e
racista do Peru (qualquer semelhança com um grande país vizinho não será coincidência).
A adaptação de Francisco Lombardi tem o mérito de realçar, na
primeira parte, o retrato implacável de um meio social intolerante.
Com uma narrativa enxuta, feita de pequenas cenas contundentes, Lombardi põe a nu a educação conservadora da elite do Peru,
sua cruel estratificação social, seu
catolicismo rançoso.
As relações entre Joaquin, seu
pai (Herman Romero, excelente)
e sua mãe (Carmen Elias) são
apresentadas com uma ironia que
beira o sarcasmo.
Numa caçada na fazenda, por
uma série de mal-entendidos, o
delicado Joaquin, ainda adolescente, aparece aos olhos do pai
como um rapaz valente e atlético,
"um verdadeiro macho".
Na volta à cidade, o pai atropela
acidentalmente um camponês
que andava na beira da estrada.
Diante do horror do filho, diz:
"Não cacei nenhum bicho, mas
pelo menos matei um índio. O dia
não foi perdido".
Depois desse início seco, veloz e
incisivo, o filme começa a patinar
um pouco. Joaquin vai à faculdade, tenta namorar uma garota, vicia-se em cocaína. Há, a partir daí,
um monótono vai-e-vem do protagonista em relação à "normalidade" burguesa.
O filme deixa de ser a radiografia de um mundo opressivo para
se tornar, aos poucos, o melodrama individual de Joaquin.
Ainda assim, há passagens brilhantes na segunda parte. Numa
delas, Joaquin passa dois dias
cheirando coca e fazendo sexo
com um colega. Ao final da orgia,
o colega anuncia que quer arrumar uma noiva e casar. Diante da
surpresa de Joaquin, diz: "Está
pensando o quê? Que eu sou um
"maricón'?".
Uma civilização reacionária,
construída sobre o recalque do reprimido -seja a origem indígena, seja a sexualidade "proibida"-, é o que nos dá a ver este filme surpreendente.
Avaliação:
Filme: Não Conte a Ninguém
Produção: Peru, 1998
Direção: Francisco Lombardi
Com: Santiago Magill, Christian Meier,
Lucía Jiménez, Herman Romero
Onde: a partir de hoje, nos cines
Cinearte 2 e Lumière 2
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