São Paulo, Sexta-feira, 10 de Setembro de 1999
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"NÃO CONTE A NINGUÉM"
Drama peruano retrata sociedade machista

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O primeiro erro a evitar é ver em "Não Conte a Ninguém" um filme sobre homossexualismo.
Baseado no romance autobiográfico "No Se lo Digas a Nadie", do escritor peruano Jaime Baily, o filme mostra de fato a formação de um jovem da alta burguesia limenha que muito cedo descobre sua inclinação homossexual.
Mas seu foco, como o do livro, aponta menos para a sexualidade de Joaquin (Santiago Magill) do que para seu sufocante entorno: a sociedade patriarcal, autoritária e racista do Peru (qualquer semelhança com um grande país vizinho não será coincidência).
A adaptação de Francisco Lombardi tem o mérito de realçar, na primeira parte, o retrato implacável de um meio social intolerante.
Com uma narrativa enxuta, feita de pequenas cenas contundentes, Lombardi põe a nu a educação conservadora da elite do Peru, sua cruel estratificação social, seu catolicismo rançoso.
As relações entre Joaquin, seu pai (Herman Romero, excelente) e sua mãe (Carmen Elias) são apresentadas com uma ironia que beira o sarcasmo.
Numa caçada na fazenda, por uma série de mal-entendidos, o delicado Joaquin, ainda adolescente, aparece aos olhos do pai como um rapaz valente e atlético, "um verdadeiro macho".
Na volta à cidade, o pai atropela acidentalmente um camponês que andava na beira da estrada. Diante do horror do filho, diz: "Não cacei nenhum bicho, mas pelo menos matei um índio. O dia não foi perdido".
Depois desse início seco, veloz e incisivo, o filme começa a patinar um pouco. Joaquin vai à faculdade, tenta namorar uma garota, vicia-se em cocaína. Há, a partir daí, um monótono vai-e-vem do protagonista em relação à "normalidade" burguesa.
O filme deixa de ser a radiografia de um mundo opressivo para se tornar, aos poucos, o melodrama individual de Joaquin.
Ainda assim, há passagens brilhantes na segunda parte. Numa delas, Joaquin passa dois dias cheirando coca e fazendo sexo com um colega. Ao final da orgia, o colega anuncia que quer arrumar uma noiva e casar. Diante da surpresa de Joaquin, diz: "Está pensando o quê? Que eu sou um "maricón'?".
Uma civilização reacionária, construída sobre o recalque do reprimido -seja a origem indígena, seja a sexualidade "proibida"-, é o que nos dá a ver este filme surpreendente.


Avaliação:    

Filme: Não Conte a Ninguém Produção: Peru, 1998 Direção: Francisco Lombardi Com: Santiago Magill, Christian Meier, Lucía Jiménez, Herman Romero Onde: a partir de hoje, nos cines Cinearte 2 e Lumière 2

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