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Análise
Obra de Nobel traduz culpa européia
Prêmio a Le Clézio chancela narrativa a serviço de mensagem e reconhece autor como agente do ambiente multicultural
MARCELO REZENDE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entre o Prêmio Nobel de
Literatura dado para a
França em 1985, e este,
entregue ontem a Jean-Marie
Gustave Le Clézio, há uma distância que se mede não apenas
em décadas, com o tempo, mas
a partir de uma alteração de ritmo no discurso sobre a cultura,
a política e seus sistemas. Na
década de 1980, o ganhador foi
Claude Simon, morto em 2005,
aos 92 anos.
O nome de Simon é acompanhado pela experiência, guerra,
dificuldade e pelo "Novo Romance", surgido na década de
1950 com a proposta de construir uma literatura na qual tudo está no domínio da liberdade, do risco e da invenção. Com
Le Clézio há o retorno da história, de personagens com psicologia clara e de um presente comentário sobre as relações entre centro e metrópole, diferenças culturais e o passado de colonizadores e colonizados.
Le Clézio aparece (uma aparição fulgurante) em 1963,
quando seu romance "Le Procès-Verbal" faz todo o percurso
necessário para a permanência
de um autor: a aprovação crítica, o interesse de uma nova geração de leitores e a excitação
da mídia, pela juventude do escritor -23 anos- e sua beleza.
O livro é o retrato de um período. Seu romance surge um
ano após o fim da guerra entre a
Argélia (então colônia) e a
França, o colonizador que convocou uma legião de jovens para lutar em nome de uma causa
que poucos conseguiam se
identificar. Em "Le Procès-Verbal", um homem (Adam Pollo) não sabe se deixou uma clínica psiquiátrica ou o Exército,
tem apenas o desejo de permanecer solitário, numa casa, com
seus sombrios pensamentos.
A experiência da guerra, das
colônias, marca profundamente a trajetória de Le Clézio. Nas
décadas seguintes, e ao longo
de seus mais de 40 livros, entre
ensaios e ficção, ele se torna obcecado pela palavras "nômade", "errância" ou "evasão", colocando-se no lugar de um escritor em constante fuga. Viaja,
mora em diferentes países.
Le Clézio mantém em sua fala, escrita e posicionamentos
diante das relações entre nações um enjôo do Ocidente e a
aflição permanente diante da
história européia. "O mundo
estava realmente doente? Esse
arrepio, essa náusea, isso vinha
de muito longe, de um tempo
há muito passado", escreve em
"Ritournelle de la Faim", romance que acaba de publicar na
França.
Mais do que Le Clézio ter encontrado o Nobel, a operação
parece ser de outra ordem: o
Nobel encontra Le Clézio ao
ver em sua obra uma representação da culpa diante do excluído, da narrativa a serviço de
uma mensagem, do escritor como agente do ambiente multicultural e profeta de um bem-estar provocado pela aproximação dos povos em algum lugar do futuro. Le Clézio é o Nobel que deseja, ou precisa, que
as partes fiquem em completo
acordo. O planeta se parece
ainda com Claude Simon, mas a
vontade quase infantil é que se
torne um dia Le Clézio.
MARCELO REZENDE é autor do romance "Arno
Schmidt" (ed. Planeta, 2005) e do ensaio "Ciência do Sonho - A Imaginação Sem Fim do
Diretor Michel Gondry" (ed. Alameda, 2005).
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