São Paulo, sábado, 10 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/"O Albatroz Azul"

João Ubaldo costura tramas de romance com habilidade

Primeira incursão do autor no gênero em sete anos tem momentos comoventes

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mais recente romance de João Ubaldo Ribeiro, "O Albatroz Azul", lê-se com gosto, do começo ao fim. Há momentos engraçados e alguns comoventes. Mas não muito engraçados, nem muito comoventes. O livro simplesmente flui fácil, e quando termina, dá vontade de ler mais.
Até para se descobrir se o que se leu até ali pode ser mais que um livro agradável, que não deixa arranhão após ser lido.
O romance tem estrutura convencional, em três partes perceptíveis. A primeira se centra na intuição certeira do protagonista, o velho Tertuliano Jaburu, nascido e vivido na ilha de Itaparica, de que o neto temporão que lhe havia de nascer era homem e não mulher. Ao contrário do que assegurava a parteira e toda a gente, confiada no passado da mãe, que já gerara outras sete filhas.
Predominam conversas com amigos e referências a personagens de apelidos pitorescos, como Saturnino Bororó, Ludmilo Sororoca e Tininho Gumex. No meio deles, Tertuliano assunta o nome certo e um padrinho de categoria para o neto varão. O colorido da nomeação, amplificado no parnasianismo filológico do barbeiro, Nascimento Clarineta, feliz possuidor de um precioso "Repositório Onomástico Luso-Brazileiro", dá bem ideia de onde Ubaldo assentará a graça do livro.
A segunda parte remonta aos tempos do avô de Tertuliano, emigrante português que fez fortuna na Bahia, antes de tornar a seu país. Deixa cá o pai de Tertuliano, que se amanceba com as duas filhas da comadre Iá Cencinha, "mulher sabidamente com coragem para mamar em onça". Fora ela mesma a mentora do cômodo concubinato, pois não ficava espaço para filhos fora da família. Também a ela se devia o contrato feito com dois negros para conjurar o demônio contra a nova mulher portuguesa do avô, a fim de que não sobreviesse herdeiro a competir com o duplamente genro, além de afilhado.
De volta ao presente, ocorre a nova intuição de Tertuliano: a de que é chegada a hora de sua morte. Não a morte final, pois a ela se sucederia o renascimento, numa outra vida, a ser vivida ao lado do neto. As providências fúnebres ocupam esta parte, incluindo a visita a seu Zé Honório, autoridade financeira e moral da ilha, para pedir-lhe que aceite ser padrinho e tutor do neto.
E ainda um encontro no bar com Zirinha Quadra, "que nunca acatou homem nenhum mandando nela".

Contradições e apelo
Os dois encontros são perturbadores, um pelas contradições do pragmatismo moral de Zé Honório; o outro pelo novo apelo de vida que sentira ao lado da mulher sexual e forte, que não admitia dependência.
Se a primeira parte é sobretudo romance de costume, e a segunda, romance histórico, esta última tem um viés psicológico a dominar as ações. A costurar a narrativa há o emprego habilmente estilizado da fala da ilha e de um sem fim de provérbios, que dizem o que quer que se precise. Afetivamente, o tom baixa quanto mais se aproxima o final, e um fio de melancolia se esbate contra o anedótico. Não é arranhão o bastante.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.


O ALBATROZ AZUL

Autor: João Ubaldo Ribeiro
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39,90 (240 págs.)
Avaliação: bom




Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Crítica/teatro/"Rock'n" Roll": Stoppard investe no embate de ideias e se sai bem em peça
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.