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LIVROS
Crítica/"O Albatroz Azul"
João Ubaldo costura tramas de romance com habilidade
Primeira incursão do autor no gênero em sete anos tem momentos comoventes
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O mais recente romance
de João Ubaldo Ribeiro, "O Albatroz Azul",
lê-se com gosto, do começo ao
fim. Há momentos engraçados
e alguns comoventes. Mas não
muito engraçados, nem muito
comoventes. O livro simplesmente flui fácil, e quando termina, dá vontade de ler mais.
Até para se descobrir se o que
se leu até ali pode ser mais que
um livro agradável, que não
deixa arranhão após ser lido.
O romance tem estrutura
convencional, em três partes
perceptíveis. A primeira se centra na intuição certeira do protagonista, o velho Tertuliano
Jaburu, nascido e vivido na ilha
de Itaparica, de que o neto temporão que lhe havia de nascer
era homem e não mulher. Ao
contrário do que assegurava a
parteira e toda a gente, confiada no passado da mãe, que já
gerara outras sete filhas.
Predominam conversas com
amigos e referências a personagens de apelidos pitorescos, como Saturnino Bororó, Ludmilo
Sororoca e Tininho Gumex. No
meio deles, Tertuliano assunta
o nome certo e um padrinho de
categoria para o neto varão. O
colorido da nomeação, amplificado no parnasianismo filológico do barbeiro, Nascimento
Clarineta, feliz possuidor de
um precioso "Repositório Onomástico Luso-Brazileiro", dá
bem ideia de onde Ubaldo assentará a graça do livro.
A segunda parte remonta aos
tempos do avô de Tertuliano,
emigrante português que fez
fortuna na Bahia, antes de tornar a seu país. Deixa cá o pai de
Tertuliano, que se amanceba
com as duas filhas da comadre
Iá Cencinha, "mulher sabidamente com coragem para mamar em onça". Fora ela mesma
a mentora do cômodo concubinato, pois não ficava espaço para filhos fora da família. Também a ela se devia o contrato
feito com dois negros para conjurar o demônio contra a nova
mulher portuguesa do avô, a
fim de que não sobreviesse herdeiro a competir com o duplamente genro, além de afilhado.
De volta ao presente, ocorre a
nova intuição de Tertuliano: a
de que é chegada a hora de sua
morte. Não a morte final, pois a
ela se sucederia o renascimento, numa outra vida, a ser vivida
ao lado do neto. As providências fúnebres ocupam esta parte, incluindo a visita a seu Zé
Honório, autoridade financeira
e moral da ilha, para pedir-lhe
que aceite ser padrinho e tutor
do neto.
E ainda um encontro
no bar com Zirinha Quadra,
"que nunca acatou homem nenhum mandando nela".
Contradições e apelo
Os dois encontros são perturbadores, um pelas contradições do pragmatismo moral de
Zé Honório; o outro pelo novo
apelo de vida que sentira ao lado da mulher sexual e forte, que
não admitia dependência.
Se a primeira parte é sobretudo romance de costume, e a
segunda, romance histórico,
esta última tem um viés psicológico a dominar as ações. A
costurar a narrativa há o emprego habilmente estilizado da
fala da ilha e de um sem fim de
provérbios, que dizem o que
quer que se precise. Afetivamente, o tom baixa quanto
mais se aproxima o final, e um
fio de melancolia se esbate contra o anedótico.
Não é arranhão o bastante.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp.
O ALBATROZ AZUL
Autor: João Ubaldo Ribeiro
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39,90 (240 págs.)
Avaliação: bom
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