São Paulo, quarta-feira, 10 de novembro de 2004

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ANÁLISE

Autores de novela são deuses alternativos

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os autores de novela parecem consolidados entre os deuses contemporâneos.
Benedito Ruy Barbosa, há quase dez anos, no centro do "Roda Viva", pouco depois do fim da novela "O Rei do Gado", explicava a interpretação do Brasil que o levara a pautar a questão agrária para o popular horário das oito.
O novelista expressou conhecimento de causa e liberdade para, no interior de uma determinada configuração de forças e de acordo com uma interpretação pessoal, diferente de programas político-partidários ou governamentais, conferir visibilidade inédita ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Surpresa com a desenvoltura com que um escritor do gênero mais popular da TV encara seu ofício, rápida no gatilho, uma jornalista o comparou a Deus.
O diálogo me voltou à mente ao ler a entrevista concedida ao jornal "O Estado de S. Paulo", no último domingo, por Aguinaldo Silva, autor de "Senhora do Destino", o atual sucesso global. Além de provocar os cineastas, o roteirista responsável entre outras coisas pelo estrondoso sucesso da segunda versão de "Roque Santeiro", oriundo das fileiras da esquerda dos anos 60, ressalvou que teledramaturgia não é arte.
Em novela, só os atores seriam artistas. Silva associa o profissional que ocupa a posição central no fazer do popular seriado televisivo ao criador. E não se importa com cutucadas da revista "Veja", uma publicação que "ironiza até Deus". Durante os meses em que suas novelas estão no ar, autores definem os assuntos que estarão na ordem do dia dos brasileiros.
Criadores de folhetins eletrônicos poderiam ser comparados a deuses em uma cosmologia alternativa a judaico-cristã, como a greco-romana, em que divindades e humanos convivem e procriam. São deuses que trabalham em turnos, sobrecarregados com a administração temporária de intrincadas redes de pressões, agraciados com remuneração generosa, mas sem reconhecimento universal. Sinal dos tempos.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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