São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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CINEMA

Com abertura hoje, festival que celebra a diversidade sexual apresenta "Curva", filme que segue o movimento

Estilo Dogma chega ao Mix Brasil 2005

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dez anos após ter surgido com um manifesto ético/estético, que criticava os padrões superficiais do cinema contemporâneo, o Dogma surge agora em versão gay. Nem mesmo seus criadores, os dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars von Trier, fazem mais filmes baseados em seus princípios. Pois uma das novidades da programação do 13º Festival de Cinema e Vídeo da Diversidade Sexual, o Mix 2005, que começa hoje, é o filme "Curva" (Gypo), da diretora britânica Jan Dunn, elaborado a partir dos dez mandamentos do "voto de castidade" do Dogma.
"Foi uma decisão criativa", diz Dunn. Desde que foi criado, o selo do Dogma já foi cedido a 50 produções, nenhuma no Brasil, e "Curva" é o primeiro filme britânico com o carimbo.
O longa divide uma só história em três momentos, cada um deles visto pelo ângulo de um de seus principais personagens. Basicamente é a vida de um casal de meia-idade em crise, Paul (Paul McGann) e Helen (Pauline McLynn), que se transforma após conhecerem a jovem imigrante cigana Tasha (Chloe Sirene). Mais do que um filme sobre temática homoerótica, "Curva" (uma forma pejorativa de se referir a ciganas) trata do preconceito, tema tão em voga na Europa, vide os enfrentamentos recentes na França. "Se uma ou duas pessoas, em cada sessão do filme, mudarem suas opiniões racistas e homofóbicas, estarei feliz." Leia a seguir a entrevista de Dunn à Folha.

 

Folha - O manifesto Dogma já tem dez anos. Por que realizar um filme segundo esses princípios?
Jan Dunn -
Foi uma decisão totalmente de criação, não baseada em questões financeiras, mesmo que baixos orçamentos prestem-se às regras do Dogma. Eu queria filmar um drama social e realista com câmera na mão e em apenas uma locação, a ilha Thanet, numa pequena área da costa sudeste da Inglaterra. Encontrei-me com Elaine Wickham [produtora], contei que queria realizar um filme de baixo orçamento e perguntei se ela gostava do Dogma -em geral isso supõe que o filme dificilmente será vendido. Para minha surpresa ela contou que é fã do Dogma e mencionou todos os filmes baseados em seus princípios, que eu mesma não conhecia. Foi então que percebemos não haver "oficialmente" filme inglês do Dogma, apesar de muitos terem se chamado de Dogma, por conta dos seus distribuidores. Então, nós nos encontramos com Vibeka Windelov, a produtora de Lars [Von Trier]. Ela foi formidável e inspiradora e nos contou que pensavam em encerrar o Dogma no aniversário de dez anos, em março passado - e nós terminamos as filmagens no dia 5 daquele mês. Mas o sistema ainda funciona e pode-se simplesmente fazer um download do certificado pelo site do Dogma na internet.

Folha - De acordo com o "voto de castidade" número 8, filmes de gênero não são aceitos. Isso foi discutido com o escritório do Dogma?
Dunn -
Acredito que a questão do gênero esteja baseado no narrativo, e "Curva" dá mais ênfase a um personagem do que a uma situação. Claro que quero vender o filme, apesar de não ver nele nenhum apelo "comercial", mas somos gente de negócio e cineastas. Como acredito que não se trata de um filme de gênero, "Curva" tem sido citado como Dogma na imprensa e em catálogos, o que não me incomoda pois é mesmo um Dogma. Ele não é um filme de gênero justamente porque foi pensado para ser realizado dentro das regras do Dogma.

Folha - Há uma tradição de filmes de arte ingleses com temática homossexual, como as produções de Derek Jarman e Stephen Frears. Eles foram influência para você?
Dunn -
Não sou fã desses diretores e nem necessariamente sou influenciada por filmes ou diretores gays. Apenas adoro filmes e vi tantos que tenho múltiplas influências de bons diretores, roteiristas e histórias. Nesse momento eu e Elaine estamos muito ligadas em Todd Solondz ["Histórias Proibidas"]. Ele se arrisca tanto na narrativa quanto nos personagens. Gosto ainda de filmes não-lineares, como "21 Gramas", mas a inspiração para "Curva" veio do alemão "Corra, Lola, Corra".

Folha - Em geral, filmes do Dogma não têm final feliz. Você ficou em dúvida sobre como terminar "Curva"?
Dunn -
Finais tristes não são regra do Dogma. Três pessoas da indústria do cinema disseram que "Curva" é como um Ken Loach com final feliz. Adoro finais felizes e queria que a mulher ficasse com a mulher. Mesmo assim, não dou a elas mais que três meses naquela relação!!!!!!

Folha - Você quer continuar utilizando as regras do Dogma?
Dunn -
De jeito nenhum. Adorei a experiência, mas constatei que gosto de uma boa trilha sonora [proibida pelas regras do Dogma]. Tive que pensar muito sobre as regras com música e fiquei pensando sempre que "Os Pássaros" não tem trilha e mantém o apelo.


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