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NINA HORTA
Dois chefs, direito e avesso
Fui assistir à aula de um
jovem cozinheiro do restaurante Moto, de Chicago. O tal que
faz comida normal e comida de
papel. Foi atrasando, dando fome, como seria essa comida? Pediram desculpas, por que iria demorar mais meia hora. E por quê?
A impressora estava com defeito!
O jantar atrasou porque a impressora estava com defeito... Coisas da comida nova.
O papel é comestível e tem o formato de uma folha de papel sulfite. Depois de impresso, é recortado em pedaços do tamanho de
um bilhete de cinema. Ora com o
desenho de uma palmeirinha e
cocos e gosto perfeito de coco, ora
sushizinhos com gosto de sushi.
Os cartuchos de tinta são cheios
de tinturas orgânicas vegetais, os
sabores, misturados no restaurante, os mais puros possíveis, e o
cozinheiro imprime o que queremos comer (e o que ele já saiba fazer). São como hóstias hereges,
que grudam no céu da boca, hóstias quadradas com sabor!
O que significa que, se você
atrasar e alguém em casa estiver
esperando por comida... pode
mandar por email. Sim, está chegando o dia. Atrasou no escritório? Mande o cardápio por email,
quem ficou em casa imprime e come.
Todo mundo que vê a tal comida faz cara de desentendido. Que
besteira, mais uma desses "chefs",
não sabem o que inventar! Acontece que, debaixo daquele morango "fake", tem coisa. É preciso parar e refletir. É comida ou parece
ser? Aparência e realidade se confundindo, um item filosófico perene. Por que não dar certa atenção? Mundo sem graça quando
tudo é o que parece ser, e triste a
vida cujas verdades não são desafiadas nunca. O jantar atrasou
porque a impressora quebrou, por
que não?
E veio outro chef, este ainda está no Brasil, no rumo da Bahia e
do Rio, Laurent Tourondel. A Folha deu notícia que ele daria uma
aula em São Paulo e fui checar.
Dizem que tem a mão muito boa
para peixe. Francês, cozinhando
em Nova York e, segundo ele, fazendo comida que nova-iorquino
gosta.
Vou contar a verdade, não gosto
muito de aula de cozinha. Talvez
por causa do excesso das que já assisti, sempre depois do almoço, vai
dando uma soneirinha boa, a sala
quente, o chef lá sozinho fazendo
as dele, a gente olhando num telão, para experimentar dão um
palito que se passa no molho para
ver o gosto, enfim, aula de cozinha
não é meu forte.
O campus do Senac, muito
grande e simpático, fervendo de
gente. O mestre-cuca visitante,
nada demais, mais para menos
até, nem carismático ou cheio de
gestos ou muito articulado. Como
professor, prometeu ensinar uma
entrada já comum, ceviche de
atum com abacate e molhinho de
wasabi; depois, risoto tailandês
(?). Prato mais estapafúrdio, vai
misturar pasta de curry e curry indiano em pó, caldo de galinha e
caldo de camarões, leite de coco,
abobrinha, camarões... Este, então, não quero nem provar, imaginem, um risoto "surf and turf"
com gosto de frango ao curry.
Pois acreditem, pasmem, raramente digo isto, conheço uns cinco
chefs vivos que acho bons, vá lá,
dez, o homem é daquelas preciosidades que sabe cozinhar, daquelas pessoas que nascem com um
belíssimo paladar e fez uma comida brilhante, tudo perfeito, exatamente no ponto, no jeito. Cozinha
simplesmente muito bem e cozinhará sempre, mudem as modas,
ele tem a graça. O dom. Aprendeu
com a avó, é claro, a maioria dos
chefs franceses aprendeu com a
avó. E, como bom francês, não
usava toque nem redinha e provava a comida enfiando o dedo
na panela.
A comida, equilibradíssima, e
tudo feito sem grande esforço aparente. Nada tinha gosto excessivo,
mas a mistura é que formava o sabor novo. Não tinha sabor de
curry nem de wasabi nem de coco,
era simplesmente bom. E muito
sutil.
E, nessa cozinha fusion, a mistura desequilibrada é o maior perigo. Com certeza, apesar do chef
não se gabar disso, tem uma formação básica francesa, mais a
avó, sem dúvida. Muito poucos
chefs sabem desviar da rota do
clássico, do aprendido, e fazer o
novo que seja bom, prazeroso. Os
que sabem que devem ser comemorados e aplaudidos. Uma emoção.
Talentosíssimo, o monsieur
Tourondel. E o lugar para ele estar é Nova York, mesmo, sempre
achei os franceses de Nova York os
melhores, pode ser?
Laurent Tourondel é co-autor do livro
"Go Fish" (ed. Wiley, R$ 118; 304 págs.)
@ - ninahort@uol.com.br
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