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CARLOS HEITOR CONY
Dois homens e duas moças
Edmundo, embora casado, ainda mexia com o imaginário das mocinhas da Tijuca
SYLVAN ESPERAVA Edmundo na
calçada do Itaú, esquina da
Atlântica com a Rainha Elisabeth. O guarda já o ameaçara de
multa se demorasse mais tempo.
Ele olhava o relógio e desculpava o
amigo. Com a mulher internada havia tanto tempo e sob risco de morte,
Edmundo fazia esforço para ser o
mesmo, mas alguma coisa soava falsa nele. O atraso seria um sintoma,
Edmundo podia ser leviano em tudo, menos em questão de tempo.
Um minuto para ele era um minuto,
um ano era um ano, um século era
um século. Não fora ele quem inventara que o tempo é dinheiro, mas,
para ele, o tempo era uma moeda
concreta, que ele parecia trazer no
bolso e na alma.
O guarda vinha vindo outra vez,
sacudindo o caderninho da multas,
mas o BMW azul metálico de Edmundo apareceu lá atrás, ele chegava. Teria de deixar o carro na garagem de seu prédio, tinham combinado ir no carro de Sylvan, que era
solteiro, não tinha mulher morrendo no hospital. E o mais importante:
fora dele a iniciativa de arranjar as
duas moças, uma delas gostaria de
ser apresentada a Edmundo, era da
zona norte, um pouco reprimida,
mais reprimida do que tímida, fizera-se amiga de uma amiga de Sylvan,
sabia que se tratava de um companheiro ex-campeão de asa delta.
Embora casado, pai de dois adolescentes que faziam surfe no Arpoador, Edmundo ainda mexia com o
imaginário meio fatigado das mocinhas da Tijuca.
Ao entrar no carro de Sylvan, antes que o amigo reclamasse, ele reclamou do encontro:
-Sylvan, não me leve a mal, mas
não estou a fim... Sinceramente...
O carro contornava o posto da
Shell e entrava na alameda que corta
a fonte da Saudade ao meio:
-Estamos chegando e esse papo...
Francamente, nem parece que estamos num programa... Vou sair com
Glorinha e você vai pescar um capim
novo...
Pararam na pequena curva em subida que dá para a ladeira do Sacopã.
Fora o ponto de encontro marcado
por Glorinha, o pai dela já conhecia o
Golf prateado de Sylvan.
Na noite em que dormiram num
hotel da Barra, o velho ficara preocupado com a demora da filha, passara a noite na varanda do apartamento para saber como e com quem
a filha chegaria. Viu o carro parar em
frente à portaria, Glorinha saltar,
acenar para dentro do carro, numa
despedida que equivalia a um "até
outro dia" ou "até outra noite".
Esperaram um pouco. Como Edmundo naquela tarde, as mulheres,
jovens ou velhas, sempre se atrasam.
Só as provincianas chegam na hora,
geralmente antes.
Mais cinco minutos, e as duas vinham vindo. Glorinha olhava para
trás e para cima, temendo que o pai
estivesse na varanda do apartamento fiscalizando para onde ela ia com
a amiga da zona norte. Na cabeça do
velho, podia ser um álibi, uma certeza de programa honesto, como podia ser o contrário, bem ao contrário. Os velhos sempre pensam em
sacanagem.
-Lá vem elas... O capim é mesmo
novinho... Tipo tijucana, boa de coxas e de bunda...
Edmundo olhou a mocinha que
vinha em direção a ele. A ele não, ao
mito fatigado que ainda fazia sucesso com as mocinhas decepcionadas
com os jovens que elas consideravam babacas.
Lembrava-se da noite em que Fernando, o filho mais velho, ainda nos
14 anos, chegou em casa meio drogado e perguntou ao pai se era babaca
mesmo. Edmundo quis saber por
quê. Fernando disse que a garota
que encontrara numa festinha, depois de dançarem e terem cheirado
coca, virara-se subitamente para ele
e decretara:
-Babaca!
O nome dela era Patrícia. Nome
que fora moda, na zona sul, dez, 15
anos passados. Prazer, prazer, desculpe o atraso, Edmundo passou para o banco de trás, para ficar ao lado
da moça. Glorinha tomou o assento
do carona, beijou rapidamente
Sylvan, queixou-se do calor, queria
ir para o mais longe possível da cidade, onde o mar e o vento são mais
fortes e tudo é mais deserto.
Um código para ajudar a amiga. Se
falasse diretamente em ir para a
Barra, a proximidade dos hotéis poderia assustar Patrícia, embora soubesse que Edmundo, com a experiência dos quase velhos, teria classe
suficiente para dizer que não era nada, apenas mais conforto para um
drinque, um bate-papo entre duas
gerações verdadeiramente interessadas em se conhecer.
Para dar início ao diálogo de gerações, Patrícia beijou Edmundo no
rosto, num gesto que parecia pedir a
bênção.
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