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ENTREVISTA/
GILBERTO GIL
"Preciso de tempo para continuar fazendo o que mais gosto na vida: cantar"
Orientado a fazer "dieta vocal", ministro da Cultura diz que deixará o governo em 2008, mas não fixa data para sua saída
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Depois de cinco anos como ministro da Cultura,
Gilberto Gil decidiu deixar o cargo. Ele concluiu que o ministério e a carreira artística não
são mais conciliáveis. Não porque a segunda
prejudique a primeira, como insinuam seus críticos, mas o inverso. Gil abolirá a rotina de discursos e audiências da agenda
ministerial, para curar um dano diagnosticado em sua voz.
"Até eu ter enfrentado isso,
estar no ministério era uma
questão aberta. Podia sair como podia ficar. Mas aí me defrontei com isso -a perda de
qualidade vocal permanente,
constante", conta Gil.
Gilberto Gil conversa com a
Folha como ministro da Cultura, em atividade oficial, em Belo
Horizonte. Ele participa, na capital mineira, da "Teia - Tudo
de Todos", um encontro de manifestações da cultura popular
incentivadas, segundo define,
por "programas [do MinC] que
vão além do jarro de flores clássico das elites, porque esse é
um país feito de povo, com 70%
de gente pobre, historicamente
excluída, que precisa agora ter
uma cara no mundo".
Mas, ao descrever a decisão
de deixar a pasta que assumiu
em 2003 (com a condição expressa de que pudesse manter
em paralelo sua atividade artística), Gil remonta às suas últimas férias no ministério.
Em turnê pela Europa no último mês de julho, o cantor Gilberto Gil conviveu com o temor
do silêncio.
"Pela primeira vez em muitos anos, tive de fazer uma excursão sob pressão da perda vocal. Isso me afligiu muito. Tive
de me desdobrar em disciplina.
Aí fui ao médico, quando voltei", afirma.
"Volta lenta"
Os exames demonstraram
que, na corda vocal direita de
Gil, onde um calo havia sido
diagnosticado há dez anos,
reincidiu um pólipo. O ministro o retirou numa cirurgia, há
um mês, e está em tratamento
desde então.
"A volta da qualidade vocal
está sendo muito mais lenta do
que foi há dez anos, por questões de anatomia. As cordas vocais já não são as mesmas. Estou com 65 anos. Elas estão
mais relaxadas, seu fortalecimento e robustez é mais difícil", descreve Gil.
Surgiu então a incompatibilidade entre a prescrição de "dieta vocal" e exercícios fonoaudiológicos, fundamentais para
a recuperação, e o intenso uso
que Gil faz de sua voz, em discursos, palestras, audiências e
conversas ministeriais.
"Preciso de tempo agora para
continuar fazendo o que mais
gosto na vida, que é cantar",
afirma ele.
O ministro definiu que deixa
o governo em 2008, mas não fixou uma data para sua saída.
Ele já prevê reações à imprecisão de seu anúncio.
"Relativismo"
"Vão dizer: "Ah, mas essa indefinição. Lá vem ele com os relativismos dele"." E antecipa
sua réplica: "Não é relativismo.
É relatividade".
Gil afirma que ainda não tratou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre possíveis
nomes que poderiam substituí-lo, mas está certo de que o
futuro ministro da Cultura receberá a pasta com "projetos
encaminhados e uma visão
contemporânea e abrangente
de cultura, razoavelmente
compreendida e bastante absorvida pelos setores da classe
média, da elite dirigente, da elite econômica e do povo".
Em outras palavras, o ministro considera que avançou no
objetivo anunciado em seu discurso de posse de "tirar o Ministério da Cultura da distância
em que ele se encontra, hoje, do
dia-a-dia dos brasileiros".
Uma das principais metas de
sua gestão, contudo, permanece por fazer -a reformulação
da Lei Rouanet, de incentivos
fiscais, que destinou cerca de
R$ 2 bilhões à realização
de projetos culturais, de 2002
a 2006.
Voluntarismo impositivo
Gil diz que a reforma da lei,
prometida desde o primeiro
mandato, está "sendo feita parcialmente, aos pouquinhos,
submetendo o desempenho da
lei à discussão pública" e não foi
plenamente realizada porque é
"complexa".
O ministro avalia que uma
atuação mais incisiva da pasta
nessa questão poderia desencadear uma crise semelhante à da
Ancinav -"a grande discussão,
a grande polêmica, o grande deflagrador de paixões e atitudes"
de sua gestão, ocorrida em
2004, quando o MinC tentou
criar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, submetendo ao Congresso um projeto
de lei cujo impacto não havia
sido previamente discutido
e negociado com os setores
atingidos.
Atitudes assim, diz Gil, podem "parecer voluntarismo
impositivo, verticalização, vontade própria do governo, e não
da sociedade". No caso da Ancinav, "não era voluntarismo impositivo, mas ficou parecendo",
afirma o ministro, que faz sua
autocrítica no episódio. "Houve precipitação nossa, no sentido de acreditar que a nossa boa-fé seria compreendida. Uma
coisa que aprendi: na política,
boa-fé é artigo escasso."
Atualmente, o MinC lida com
uma investigação interna e em
curso também na Polícia Federal para apurar fraude nos processos de aprovação de projetos na Lei Rouanet. Uma funcionária da pasta está envolvida, além de um grupo de empresários.
O ministro diz que "todas as
instituições se confrontam o
tempo todo com desvios de
conduta, infrações à regra" e
defende o desempenho do governo Lula no combate à corrupção. "Esse governo faz mais
do que os outros no prestígio às
instituições de controle e investigação. Não é igual. Faz
mais, pelo menos pela minha
memória histórica. E olhe que
venho acompanhando governos pelo menos desde Juscelino [Kubitschek (1956-61)]." Para Gil, "esperar que um governo
tenha a capacidade de extinguir
a corrupção é pedir muito, seja
a quem for".
TV Brasil
Defensor da atenção governamental às "novas mídias e
futuras", desde seu primeiro
mandato, Gil afirma que "pode
ser experimental" a programação da TV Brasil, emissora
pública federal prevista para
estrear em dezembro, para a
qual o secretário do Audiovisual Orlando Senna foi designado diretor.
"Quem disse que a televisão
vai ser superada? Sem a TV, a
internet seria apenas um correio eletrônico", diz Gil.
Na opinião do ministro da
Cultura, "o grande atrativo da
internet foi poder trazer a imagem dentro dela. Foi um golpe
que a televisão não esperava sofrer tão cedo. Mas sofreu e teve
que entender que a televisão é
um microssistema nas comunicações. Não é tudo. Acabou a fase de uma coisa ser tudo. Acabou! Agora é democracia. É diferente".
Nos cinco anos de gestão Gil,
a superposição das atividades
do ministro e do artista ensejou
questionamentos sobre eventuais conflitos de interesses.
No mês passado, a Comissão de
Ética Pública, vinculada à Presidência da República, considerou "impróprio" o uso de uma
composição de Gil em comercial do banco Itaú. A propaganda reedita comercial de 1997.
Gil diz que o parecer da comissão não o incomoda, porque
"é da atribuição da Comissão de
Ética fazer juízos desse tipo.
Mas a questão do juízo é outra
coisa. Aí posso discordar, como
discordo". Para o ministro, "a
suposição do conflito [entre
sua atividade de ministro e seus
interesses artísticos] é que leva
a Comissão de Ética a dizer que
não é adequado [o episódio do
comercial]. É uma pressuposição. O fato mesmo é que tudo
foi transparente e normal",
conclui Gil.
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