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"Arquitetura tem de criar surpresa"
Oscar Niemeyer ganha tributo na 7ª Bienal de Arquitetura de São Paulo e é tema de exposição em marquise de sua autoria
Quase centenário, um dos criadores de Brasília está envolvido com projeto na Espanha e se entusiasma com seus museus-escola
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
"Não quero falar sobre arquitetura." A frase assusta, principalmente porque vem de um
dos maiores nomes da área em
toda a história, Oscar Niemeyer, 99, ao receber a reportagem da Folha em seu escritório, no Rio de Janeiro.
Niemeyer é um dos homenageados em sala especial na 7ª
Bienal de Arquitetura, que começa hoje em um prédio desenhado por ele, o Pavilhão da
Bienal, no parque Ibirapuera,
em São Paulo.
Além disso, sua trajetória é
tema de "Oscar Niemeyer - Arquiteto, Brasileiro, Cidadão",
que reúne painéis fotográficos,
maquetes de grande proporção
e croquis embaixo da marquise
do parque Ibirapuera, outra de
suas famosas obras paulistanas. A mostra começa hoje.
Quase centenário -seu aniversário é no dia 15 de dezembro-, Niemeyer é um dos dois
brasileiros que ganhou o prêmio máximo em arquitetura
-o Pritzker, em 1988; o outro é
Paulo Mendes da Rocha, contemplado no ano passado-,
criou e colaborou em algumas
obras-chave da arquitetura
mundial, como o prédio da
ONU (Organização das Nações
Unidas), em 1947, em Nova
York, e o conjunto de Brasília,
inaugurado em 1960.
Na conversa com a Folha, o
arquiteto, ao contrário do que
falou no início, comentou alguns projetos, atacou a "burrice ativa" de críticos e revelou
certo desencanto com o mundo
atual.
"Hoje um pequeno grupo
que tem dinheiro é que comanda tudo, não é?", disse. A seguir,
trechos da entrevista.
CONTRA O ESPECIALISTA Você sabe, eu gosto de falar
de arquitetura, porque passei a
vida na prancheta, não é? Mas
eu sempre digo que a vida é
mais importante que a arquitetura. Nós agora estamos fazendo uma campanha contra o homem especialista. É o sujeito
que entra numa escola superior
pensando em ser um grande arquiteto ou um grande engenheiro ou um médico, não lê
nada e sai da escola sem compreender o mundo que espera
por ele, no qual ele deve participar. Estamos organizando uma
revista, "Nosso Caminho". E
essa revista não vai ser só de arquitetura, uma terça parte é de
arquitetura, o resto é isso: é a
discussão sobre a vida, a injustiça social, os problemas que
existem, a violência.
O PROJETO NA ESPANHA
Na arquitetura, eu estou trabalhando, trabalhando muito.
Agora, por exemplo, quando
você chegou, eu estou fazendo
um museu e um centro cultural
para a Espanha [o projeto do
museu e do centro cultural da
Fundação Príncipe das Astúrias, em Avilés], que me interessa muito, bonito, fica em
uma grande praça. Então, em
arquitetura, é lógico que eu tenho prazer em fazer projetos. A
minha idéia é sempre fazer
uma coisa diferente. O espanto
na arquitetura é o que a gente
procura, que ela funcione bem,
mas crie surpresa.
A IDÉIA DO MUSEU-ESCOLA
Agora, fiz um museu para o
Chile. Não é só um museu, é um
museu-escola, porque lá tem
uma escola em um gênero diferente. As pessoas entram, ficam
dois meses, e o sujeito participa
de conferências sobre literatura, história, política, enfim, sai
para a vida sabendo que o mundo não é fácil e que ele deve participar. Eu chamei de museu-escola, ficará em Santiago. Tem
o Muamba também [o Museu
de Arte Moderna da Baixada
Fluminense, na mesma linha,
cujo projeto foi encomendado
pela prefeitura de Nova Iguaçu
e que deve ser inaugurado no
ano que vem, reunindo 1.500
obras da coleção Gilberto Chateaubriand e ter junto um espaço para residências artísticas].
A ARQUITETURA UNIVERSAL
A gente trabalha para quem
tem dinheiro, para o poder, não
é? A minha arquitetura, pelo
menos, quando ela é diferente,
o mais pobre pára espantado,
precisa saber o que é. E se interessa pelo assunto, que é uma
coisa nova para ele. E tem pelo
menos aquele momento de
emoção, de uma coisa diferente. Falo que a minha preocupação é reduzir os apoios. Porque
assim a arquitetura se faz mais
audaciosa, não é? Os espaços ficam maiores e a gente tem mais
possibilidade de procurar uma
forma diferente. O concreto armado permite tudo. Eu estou
fazendo para Brasília um projeto agora para um espaço de festas populares [o Complexo Cultural Norte, com uma arena
multiuso para grandes shows].
Então, 30 mil, 40 mil pessoas
vão estar cobertas com uma
placa de concreto, elegante, fina, batendo recordes. Isso é importante para o arquiteto.
O ESPAÇO ESSENCIAL
Eu acho que o espaço faz parte da arquitetura. Acho que entre dois prédios, o espaço que
existe lá, faz parte da arquitetura. Como o sistema permite
muita coisa errada, justamente
esses espaços convidam a burrice ativa para pôr lá um monumento, um edifício...
A CRÍTICA DA "BURRICE ATIVA"
Ah, isso é inevitável, não é? O
trabalho do arquiteto deveria
ser mais protegido. Mas não,
geralmente você faz uma coisa
e aí vêm as modificações e a
burrice ativa, que então atua e
tudo fica prejudicado. [Na praça dos Três Poderes e no Memorial da América Latina] Neles, o importante é que você veja dois ou três prédios ao mesmo tempo, o espaço que existe
entre eles, e não a vegetação.
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